Com o título “Um educador para os políticos”, eis artigo de Djalma Pinto, autor de diversos livros entre os quais “Distorções do Poder”, “Ética na Política”, “O Direito e o Comprovante Impresso do Voto” e “A cidade da Juventude”, é mestre em Ciência Política, advogado e ex-procurador-geral do Estado. “Guilherme Gonçalves, prefeito eleito de Ourinhos, município de São Paulo, com 49,83% dos votos, colocou o carro oficial da prefeitura destinado à sua locomoção para transportar moradores para consultas e exames médicos, fortalecendo as ações na área de saúde. O veículo ficará à disposição da UPA da cidade”, expõe o articulista.
Confira:
Há um crescente descrédito da população na classe política. Cerca de 50 bilhões do orçamento são consumidos com emendas parlamentares, cuja má-aplicação resulta em sobrecarga de trabalho para a Polícia Federal. Nepotismo, atuação com desvio de finalidade, enfim, total desapreço pelos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência tudo isso tem sido comprovado, com espantosa frequência, deixando a cidadania desapontada com aqueles que são designados para a condução do seu destino.
É, nesse ambiente de desolação, que viralizou nas redes sociais uma providência de quem tem a essência do espírito republicano. Guilherme Gonçalves, prefeito eleito de Ourinhos, município de São Paulo, com 49,83% dos votos, colocou o carro oficial da prefeitura destinado à sua locomoção para transportar moradores para consultas e exames médicos, fortalecendo as ações na área de saúde. O veículo ficará à disposição da UPA da cidade.
A particularidade é que esse gestor, com 33 anos, foi um ex-coletor de lixo, ex-trabalhador rural, sendo formado em Gestão Pública pela UNINTER. A explicação dada para essa iniciativa reflete a visão exemplar de um homem público vocacionado para exercer o poder em nome do povo: “Minha trajetória me ensinou a enxergar as necessidades da população e buscar soluções práticas para melhorar o dia a dia das pessoas”. Ou seja, trata-se de um cidadão com postura totalmente diferente dos governantes desqualificados, que usam o poder para assaltar os cofres públicos ou distribuir cargos para parentes e correligionários, sepultando, acintosamente, a meritocracia.
A questão a merecer reflexão, em uma sociedade marcada pelo patrimonialismo e crescente fisiologismo, é esta: o espírito republicano de um ex-coletor de lixo foi adquirido na simplicidade de sua família, nas escolas públicas que frequentou, tendo seus professores lhe conscientizado sobre a finalidade do poder político ou foi adquirido na Universidade UNINTER, por ele frequentada, nas aulas de Gestão Pública? Aliás, um aluno com esse perfil credencia sua escola a fazer ampla publicidade para estimular o aprimoramento da administração dos negócios públicos.
Afinal, não deixa de ser alentador esse exemplo para mudança do perfil de nossos gestores. O excesso de egoísmo, a mais absoluta falta de noção de governança exitosa no setor público, nos leva a conviver, muitas vezes, com políticos que abarrotam a Administração com pessoas sem competência alguma para o exercício das funções em cargos de confiança.
O resultado desse imperdoável descaso para com a eficiência e a correta aplicação dos recursos públicos é uma quantidade exorbitante de pessoas mendigando nas ruas. É a colocação de grades e cadeados em praticamente todos os pequenos estabelecimentos comerciais. É a constatação da impossibilidade de as pessoas falarem ao celular nas ruas sem risco de assalto, enfim, serem os agentes da segurança obrigados a abandonarem suas casas por ordem de malfeitores, que se sobrepõem e intimidam os responsáveis pelo aparato repressor do Estado.
É nesse ambiente que o gesto do Prefeito de Ourinhos representa uma sinalização de que o acesso ao poder político deve ser privativo para quem tem efetivo compromisso em servir à coletividade. Devem, por isso, dele serem destituídos ou impedidos de a ele terem acesso todos que representam, por suas ações indignas, permanente ameaça aos cofres públicos ou são destituídos de qualquer compromisso com a boa governança.
Quem conheceu a cidade que o escolheu para prefeito, coletando lixo nas suas ruas, tem autoridade para dar essa lição a ser destacada nas melhores obras de Ciência Política: “É a primeira vez que um ex-coletor de lixo é eleito prefeito no Brasil. Isso quebra um paradigma muito grande e mostra para as pessoas que elas podem ser o que quiserem. Precisa ter força de vontade, trabalhar muito e ter fé. Eu entrei [na vida pública] para servir, e não para ser servido, então eu quero estar ao lado da população.” A política é meio para servir ao povo, jamais para dela servir-se, a esplêndida lição do ex-catador de lixo aos políticos do Brasil de todas as idades.
*Djalma Pinto
Autor de diversos livros entre os quais “Distorções do Poder”, “Ética na Política”, “O Direito e o Comprovante Impresso do Voto” e “A cidade da Juventude”, é mestre em Ciência Política, advogado e ex-procurador-geral do Estado.