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“Um Novo Caminho”

Marcos Holanda, economista e ex-presidente do BNB. Foto: Sara Maia.

Com o titulo “Um novo caminho”, eis artigo de Marcos Holanda, professor da UFC, ex-presidente do Banco do Nordeste e fundador do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE). Ele traz, desta vez, refexões em tópicos.

Confira:

NOVO MUNDO

Precisamos de uma nova estratégia de desenvolvimento em uma perspectiva de construir um novo Ceará. O mundo mudou e o Ceará precisa mudar. Nos últimos dez anos nosso crescimento médio foi de 1,2% e o número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado caiu de 1 milhão em 2014 para 961 mil em 2024, apenas 10%  da população. Dos trabalhadores por conta própria, 1090 mil, apenas 13% tem CNPJ. Precisamos de uma estratégia que substitua o voluntarismo e a ilusão de soluções fáceis. O mundo muda muito rápido e vai ser implacável com as economias que não se adaptarem a essa nova realidade. Nossa estratégia de futuro não pode ser construída com soluções do passado como ferrovias, portos e mão de obra barata. O proposito dessa nota é colaborar no esforço de construção de um novo caminho para o estado que espero seja coletivo da sociedade organizada, políticos, classe empresarial e do próprio governo.

Precisamos entender o novo mundo que está aí. De forma figurativa temos a China como a fábrica do mundo, a Europa como a Disneylândia dos idosos, os Estados Unidos como o inovador e imbatível na criação de riquezas e o Brasil como o supermercado do mundo e campeão em energias verdes.

A China vai crescer cada vez menos com o esgotamento do modelo baseado em habitação e infraestrutura. Hoje aposta na promoção de exportações com uma capacidade industrial imbatível. Não adianta querer competir com ela na produção de bens. Para eles exportar virou sinônimo de sobrevivência. Em 1995 respondia por 4,9%  as exportações mundiais de manufaturas, hoje respondem por 32%.

A Europa optou por um modelo de alta regulação, altos impostos, poucos incentivos a inovação e por energia verde, porém, cara. O resultado é uma economia estagnada até mesmo na Alemanha. Nos últimos 50 anos não conseguiu gerar uma única empresa com valor de mercado superior a 100 bilhões de dólares. Vai continuar imbatível como destino turístico baseado na cultura, comida, bebida e futebol para uma população de aposentados ricos cada vez maior no mundo.

Os Estados Unidos são e serão a economia mais inovadora, dinâmica e dominante. Com apenas 4% da população mundial respondem por 26% do PIB global, o valor de mercado de sua bolsa representa 70% da soma de todas as bolsas do mundo e sete das sete maiores empresas do mundo estão lá. A renda per capita de seu estado mais pobre, Mississipi, é maior que aquela da França ou Inglaterra.

Com a inteligência artificial essa liderança só vai aumentar. O Dólar vai continuar como moeda de reserva internacional. O Brasil, mesmo com a incerteza atual, tem um futuro brilhante na exportação de alimentos, minérios e petróleo. Nossa competitividade no agro é hoje imbatível pela combinação de tecnologia e terras aráveis. Temos também um grande potencial de geração de energias renováveis para alimentar uma economia de exportação verde. O problema do país assim como do Ceará não é econômico e sim de política econômica.

E o Ceará onde fica? Apostaria no caminho de ser uma economia de energia abundante e barata, o vale do silício do Nordeste, um campeão em empreendedorismo, um polo de esportes e economia do bem-estar, um paraíso de turismo de luxo e segunda residência.

FAZER COM MENOS, MAIS RÁPIDO E MELHOR

Uma economia só prospera e gera riqueza de forma sustentável quando o crescimento é puxado pelo setor privado na lógica capitalista. Nesse processo, contrário do que alguns pensam, o governo tem papel relevante. Não como substituto ao mercado, mas como seu promotor a partir de regulação apropriada e construção de incentivos corretos. O segredo aqui é um governo focado nos mais pobres e não naqueles que só procuram privilégios. Um governo digital e não analógico, atento ao novo mundo e baseado na meritocracia.

Ao ser focado o governo precisa de menos estruturas fisiológicas, de menos impostos, de menos burocracia. Um governo que pode oferecer 100% dos serviços atuais com 50% da estrutura de secretarias e órgão que hoje possui. O governo fica menor no tamanho e maior na efetividade. Faz sentido o estado ter 117 unidades orçamentarias entre secretarias, órgãos e fundos?

Ao ficar menor na estrutura não pode se dar ao luxo de ter servidores inefetivos e políticos sem capacidade de entregar resultados. Vai ter que aplicar meritocracia. Ao ficar menor nos custos de operação pode cobrar menos impostos e alocar mais recursos nas atividades fins. Essa é a essência da boa gestão: fazer com menos, fazer mais rápido, fazer melhor.

Como fazer? Construir incentivos corretos, basear a gestão nos resultados e fazer análise custo-benefício. Enquanto no governo coordenei a elaboração de dois instrumentos nessa direção, a Lei do ICMS e o MAPP. A Lei do ICMS criou um incentivo poderoso para os prefeitos entregarem resultados de melhoria do aprendizado dos alunos. O discurso de prioridade para educação teve que virar realidade, pois se queriam mais recursos teriam que mostrar melhores notas dos alunos. Essa lei virou referência para o Banco Mundial que a implantou em vários países.

Existe uma regra básica na gestão para resultados: se quer entregar tem que integrar. A proposta original do MAPP era classificar os vários projetos das secretarias de acordo com sua capacidade de entregar resultados. Um indicador chave para tal era a integração dos projetos entre as secretarias. Precisamos resgatar essa funcionalidade. Em toda grande empesa a diretoria executiva opera em um único espaço físico, facilitando decisões integradas. Porque não no governo? Porque não ocupar espaços ociosos do centro de eventos e abrigar os secretários em um único espaço físico. Os secretários saem de suas bolhas e passam a trabalhar como um time.

Se os recursos são escassos precisam ser bem aplicados. Para qualquer gasto/investimento tem que antes fazer uma análise custo-benefício. Faz sentido gastar bilhões em um VLT que transporta por mês apenas metade dos passageiros que o sistema de ônibus transporta por dia? Não adianta resistir a tendência de governo menor e mais efetivo. A restrição fiscal vai ser cada vez maior. O custo para contratar dívidas novas e para pagar dívidas antigas será crescente. A carga tributária está no limite. A era do governo rico e da população pobre acabou.

ENERGIA

O caminho das energias limpas é irreversível, mas o mundo acordou para a realidade de que não se pode renunciar à segurança de oferta nem a à custos competitivos. Isso é mais verdade para uma economia pobre como a nossa.

A guerra econômica do século XXI vai ser ganha pelas economias que tiverem condições de oferecer energia barata, confiável e abundante. Nossa estratégia deve ser expandir a oferta de energia barata para uso local e não necessariamente 100% verde.

Com energia abundante podemos vencer até mesmo o problema secular da falta de água como um gargalo para nosso desenvolvimento. Com a transposição do São Francisco hoje temos água, mas não conseguimos pagar os custos da cara energia para sua distribuição.

Precisamos cair na realidade e entender que um hub de hidrogênio verde para exportação não é viável e vai na direção errada de exportar energia em vez de usá-la localmente. Hoje no mundo apenas 6% dos projetos de H2V tem lista de compradores firmes e menos da metade com contratos assinados. A razão é simples, ele é muito caro. O mundo precisaria 1,3 trilhões de dólares de subsídios para viabilizar demanda dos projetos que hoje são prometidos. Existe o Ceará dos sonhos do H2V e existe o Ceará da realidade onde nosso principal item de importação em 2024 foi carvão para gerar a energia mais poluidora que existe.

Proponho uma mudança de estratégia. Transformar o Pecém em um hub de gás natural e com o complemento das energias solar e eólica oferecer para economia local energia mais barata e confiável. Além disso com gás natural podemos produzir hidrogênio azul ou cinza que dominam 95% do mercado mundial pois são três vezes mais baratos que o hidrogênio verde. O presidente Trump já afirmou que vai investir pesado em gás e a Europa está indo na mesma direção. O conceito de transição energética está sendo desafiado pelo da segurança energética. Estamos em posição privilegiada de ter uma combinação de energias renováveis e gás natural que nos permita competir na oferta de energia segura, com custos competitivos e ainda assim responsável com o desafio das mudanças climáticas.

INOVAÇÃO E EMPREENDEDORISMO

Se tivesse que apostar em uma única política para o desenvolvimento do estado escolheria o caminho da inovação e empreendedorismo. É o caminho da economia digital, das startups, inteligência artificial, games, aplicativos, etc. O Ceará precisa urgente de uma política agressiva de inovação baseada em modelos de sucesso como o de Israel e o do nosso vizinho Recife.

Em Recife, o Hub de Inovação do Porto Digital já fatura mais de 6 bilhões de reais e gera quase 20.000 empregos de alto valor. Em Israel a inovação triplicou a renda per capita e tornou o pais mais rico que aqueles da Europa. Seus exemplos mostram que o processo é puxado pelo setor privado, mas o apoio correto do governo é essencial. Inovação se faz com escala, dinheiro e talentos. O que mais incomoda é que o Ceará tem o insumo mais difícil que são os talentos, mas teimamos em formá-los e depois exportá-los. A vinda do ITA é uma ótima notícia, mas se nada for feito apenas aumentaremos o número de jovens que vão procurar oportunidades fora do estado. Precisamos de um grande Hub de inovação que tenha escala e infraestrutura capaz de entrar no jogo global e atrair jovens de todo mundo. Isso poderia ser feito com menos de 10% do que se tem gasto para financiar um ilusório hub de hidrogênio verde. Além do hub temos que criar uma política de incentivo fiscal para as pessoas e não apenas para empresas. Em vez de atrair empresas defasadas no tempo vamos atrair talentos conectados com o futuro, com incentivos físicos como moradia, escritórios, transportes ou financeiro com bolsas monetárias. Quando criei o HUBINE no BNB fiz um programa que trouxe alguns jovens de Israel para um período de trabalho aqui e depois enviamos jovens cearenses para um período lá. Os resultados foram excelentes. Temos uma oportunidade única de criar uma cidade da inovação onde hoje é o parque de tancagem do Mucuripe. Nada mais simbólico de um novo Ceará que a substituição de um porto obsoleto, ligado a indústria do petróleo, por um Porto Digital do Mucuripe. Importante não confundir um hub de inovação com um hub de data center. O primeiro gera valor e riqueza local, o segundo apenas exporta serviços barato.

Precisamos também de apoio financeiro de capital de risco para as startups. Aqui a experiência de Israel é importante. O governo coloca o dinheiro, mas delega a iniciativa privada a seleção das empresas apoiadas. Ao mesmo tempo exige que o setor privado coloque sua contrapartida financeira. Com apenas 1% do orçamento do estado e com o desenho de instrumentos certos,
faríamos uma revolução tornando o Ceará no vale do silício do Nordeste.

FALHANDO COM OS NOSSOS JOVENS

São inegáveis os avanços que os municípios do estado conseguiram no ensino fundamental, principalmente na alfabetização. O segredo aqui foram politicas bem desenhadas direcionadas a todos os atores envolvidos na educação. Precisamos entender e alertar, no entanto, que na educação do ensino médio, que é a relevante para garantir o futuro dos nossos jovens estamos falhando de forma lamentável. Os dados do sistema de desempenho dos alunos do estado (Spaece), mostram que ao final do ciclo do ensino médio, apenas 1 em cada 10 alunos tem nota adequada em matemática e 2 em cada 10 em português. Pior ainda, 70% dos alunos tem nota muito crítica ou critica em matemática e 44% em português. Como viabilizar empregabilidade e um futuro promissor aos nossos jovens se eles não têm a menor chance de competir no mercado? Estamos formando futuros empreendedores ou apenas futuros portadores de Bolsa Família?

Precisamos entender que nossos jovens preferem ser empreendedores a serem eternamente um trabalhador CLT de um salário mínimo. Precisam ter capacitação profissional para tal com escola técnicas e universidades trabalhando nessa direção. Precisamos de forma urgente de um choque de gestão no ensino médio. Um choque que entenda que construir mais escolas, contratar mais professores e mesmo pagar pela frequência dos alunos não é suficiente. Se os jovens só têm interesse em frequentar a escola se forem remunerados e se na escola o ensino ofertado não melhora,
temos alunos apenas passando tempo e não se preparando para o futuro. Precisamos ousar e desenhar novas políticas. O segredo aqui é injetar mais competição no modelo. Proponho que o estado aplique uma Lei semelhante a Lei do ICMS municipal para sua rede de escolas de ensino médio. Se a lei condicionou recursos para as escolas ao desempenho dos alunos nos municípios, porque não fazer o mesmo ao nível do estado? Se funcionou com os municípios porque não tentar no estado? A formula já é conhecida: apoio técnico e incentivos monetários para melhoria do
desempenho dos alunos. Outra proposta é iniciar um programa de escolas “Charter”, escolas que oferecem educação pública e de graça, mas são gerenciadas pelo setor privado ou terceiro setor.

O papel do governo é garantir e financiar educação de qualidade, mas não precisa necessariamente que ele seja o ofertador do serviço. Na prática as escolas “Charter” dão aos pais a opção de escolher a escola dos seus filhos com o governo pagando os custos. Elas não vão acabar com as escolas públicas, apenas vão gerar mais competição e incentivar a oferta de melhor educação. Nada é mais importante para os pais que ter a opção de escolher a escola de seus filhos. Os ricos já o fazem, por que não os pobres?

Temos que parar de falhar com os nossos jovens.

ECONOMIA DOS SERVIÇOS

Nada mais equivocado que condicionar o desenvolvimento do estado a sua industrialização. Somos uma economia de serviços que respondem por 75% do nosso PIB. Não devemos confundir serviços como apenas comércio, pintor, mecânico, etc. Na economia do século XXI existe um grande portfólio de serviços de alto valor agregado onde o estado tem grande potencial.

Já falamos do potencial que temos em serviços digitais e ligados a inovação. Aqui chamo atenção para serviços tradicionais e novos onde somos competitivos. Precisamos explorar melhor nossa indústria de educação. Temos a maior universidade privada do Nordeste, a promessa do ITA, uma rede campeã de colégios privados. Podemos ser um polo regional de educação importante atraindo alunos e negócios de outros estados. Temos também grande potencial na indústria de saúde, entendendo que saúde não tem preço mas tem custo e que o segredo está na gestão. Aqui uma grande aposta deve ser o polo de fármacos da Fiocruz no Eusébio. Esse polo é tudo que o projeto do H2V não é. É para hoje e não para um futuro distante, gera emprego de alta qualificação, paga impostos, consome pouco água, tem ligação com a economia local, não gera poluição, pode exportar produto de alto valor agregado e não apenas insumo. Por que evolui de forma lenta?

Se temos competitividade na instalação de data center, precisamos entender que eles apenas geram insumos que se exportados vão gerar o serviço de IA lá fora. Precisamos de uma política que incentive a produção de serviços e não apenas de insumos. Quero, no entanto, destacar dois caminhos menos tradicionais. O primeiro é a estratégia de nos apresentarmos como a Disneylândia dos jovens a partir dos esportes. Temos que consolidar nossa posição como paraíso do kitesurf mundial, dos esportes ao ar livre, da economia do bem-estar. A indústria dos esportes é uma das que mais crescem no mundo e precisamos tomar proveito disso. Sabe quem está investindo pesado nisso gastando bilhões? Arábia Saudita, a campeã da indústria do petróleo. Outro caminho também muito promissor é o do turismo de luxo e segunda residência. Nesse caso tenho destacado uma característica que nos torna quase um monopolista no mundo. Somo um dos pouquíssimos lugares que não tem problema de desastres naturais, como tempestades, furacões, terremotos, incêndios, etc. O problema é que os lugares tradicionais estão ficando proibitivo por conta dos custos de seguros e manutenção em função dos desastres naturais. A população mundial acima de 60 anos já representa uma indústria de 22 trilhões de dólares. A tendência é ter um número cada vez maior de aposentados ricos que procuram uma segunda residência. Esse é um mercado bilionário que precisamos explorar.

RECUPERANDO A VANGUARDA PERDIDA

O Ceará já foi vanguarda em estratégia de desenvolvimento e gestão pública. Se o mundo mudou precisamos mudar. Se temos os insumos para uma economia verde e inovadora temos que usá-los localmente e de forma competitiva. Se a era dos governos inchados financiados com dívida ou aumentos de impostos acabou precisamos de choque de gestão. Se o anseio dos jovens é empreender e ter seu próprio negócio temos que capacitá-los de forma adequada e evitar a armadilha de bolsa para tudo. Em um mundo cada vez mais competitivo os vencedores serão aqueles que investirem em meritocracia e não em ideologias. Precisamos recuperar a vanguarda, precisamos de um novo caminho.

*Marcos Holanda

Professor da UFC, ex-presidente do Banco do Nordeste e fundador do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE).

marcosholanda2@gmail.com

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