Com o título “Uma biblioteca dentro de sacos em outra fechada, à espera de reforma”, eis artigo de Flamínio Araripe, jornalista e pesquisador. Ele expõe situação de museus da Região do Cariri.
Confira:
A biblioteca de Plácido Cidade Nuvens (1943-2006), ex-reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca), fundador do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, quando prefeito do município (1983-1989), deveria ser retirada em 48 horas da residência onde morava na cidade. O prazo, dado pela herdeira do espólio ao presidente do Instituto Cultural do Cariri (ICC), José Flávio Vieira, era para tirar todo o acervo da casa em Santana para levar à sede da instituição, no Crato, localizada em frente à Expocrato. “O acervo inteiro do ex-reitor veio em 70 grandes sacos, num caminhão Scania cedido pelo ex-prefeito do Crato, Ronaldo Gomes de Matos”, relata José Flávio. Todo material, que não cabia em carro pequeno, está guardado na Biblioteca Antônio de Alencar Araripe, do ICC. Demorou quatro horas para tirar os sacos do caminhão para a biblioteca do ICC, que está fechada para reforma. “Há quase três anos lutamos por um projeto junto à Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) para reforma da Biblioteca Antônio de Alencar Araripe”, disse José Flávio, médico e escritor. O projeto da reforma básica encaminhado à Secult, no valor de R$ 250 mil, inclui troca do piso, conserto do telhado, estantes novas, pintura, banheiros acessíveis e informatização.
A Biblioteca Antônio de Alencar Araripe contém mais de 6 mil volumes da mais rica coleção da memória/história/literatura do Cariri, hoje inacessível ao público, afirma José Flávio Vieira. O presidente observa que o acervo inclui muitos livros raros. “Alguns autografados por Gilberto Freyre e de Câmara Cascudo. Uma hemeroteca mais completa dos anos 1900-1920 e manuscritos raros, além das incontáveis pastas do jornalista J. De Lindemberg de Aquino, sócio fundador do ICC”, instituição que comemorou 70 anos em 2024. Herdeiros de intelectuais do Cariri vêem a Biblioteca do ICC como garantido repositório do legado de livros e documentos deixados pelos entes queridos. A doação do acervo de Plácido Cidade Nuvens, ocorrida no dia 7 de janeiro de 2023, foi a maior já feita à instituição. O ICC recebeu também os livros e papéis do escritor Joaquim Edvan Pires, ex-prefeito de Juazeiro do Norte; do ex-promotor da cidade de Crato, Ribamar Cortez e do historiador e genealogista padre Antônio Teodósio Nunes.
Paleontologia
O paleontólogo Antônio Álamo Feitosa Saraiva, que recebeu em novembro o Prêmio Morris F. Skinner, da Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP) em Minneápolis, nos EUA, biólogo por formação, foi atraído para o estudo dos fósseis da Bacia do Araripe por Plácido Cidade Nuvens. O Museu de Paleontologia de Santana do Cariri foi criado em 1988 e Álamo Saraiva chegou em 1991 para trabalhar na instituição que realiza e apoia
pesquisas na região. “Plácido devotou a vida em nome do Museu e adquiriu um acervo bibliográfico ao longo da vida”, testemunha Álamo Saraiva. O ex-reitor, segundo ele, era um estudioso da obra do poeta Patativa do Assaré e deve ter manuscrito sobre este autor, sobre o qual publicou, em 1995, o livro “Patativa e o universo fascinante do Sertão“. Apesar de ser um profissional de Ciências Sociais, Plácido Cidade Nuvens publicou um livro sobre os fósseis da Bacia do Araripe – “Pedras de Peixe de Santana” (1994) – , “para explicar, em linguagem acessível, a questão paleontológica da Formação Santana”.
Sempre que Plácido ia a congressos e eventos científicos sobre paleontologia, trazia mochila extra na bagagem, cheia de livros, lembra Álamo Saraiva. O paleontólogo disse que, tão logo conclua uma escavação em Santana do Cariri, e entre de férias, irá pesquisar o que tem de relevante na biblioteca do ex-reitor, quando pretende listar o que há de interessante em cada área. A ideia é “fazer uma garimpagem, passar um pente fino no acervo, que deve ter muita coisa boa de paleontologia, mineralogia, manuscritos, coisa não publicada sobre a obra de Patativa”. Na avaliação preliminar de Álamo Saraiva, o material deixado por Plácido é importante para o estudo da paleontologia. “Tem de estar disponível”, disse ele, ao reconhecer o gesto do ICC em receber essa biblioteca que Plácido formou ao longo dos anos. Em reconhecimento ao fundador, o Museu de Paleontologia de Santana tem o nome de Plácido Cidade Nuvens. O paleontólogo é professor de Ciências Biológicas e coordena o Laboratório de Paleontologia da Urca.
Fóssil de barata
No buraco escavado em Santana do Cariri, onde trabalha neste final de 2024, Álamo Saraiva encontrou um fóssil de barata de origem marinha da Formação Romualdo. ”Em meio a um monte de peixe, camarão, gastrópodes (moluscos do tipo caracol e lagosta) e bivalves (moluscos do tipo ostras, mexilhões e outros), encontrei uma barata. Não era para ela estar ali”, assinala. O pesquisador diz que está “quebrando a cabeça“ para escrever sobre o achado que, acredita, vai dar uma boa publicação em revista científica especializada. O fóssil com 20 a 30 cm tem 110 a 115 milhões de anos (período Cretáceo) e é o primeiro de barata encontrado na Formação Romualdo.
Álamo foi o primeiro brasileiro a receber o prêmio internacional da SVP, que distingue os pesquisadores com contribuições relevantes para a construção do conhecimento científico na paleontologia. Destaca também aqueles que incentivaram e compartilharam conhecimento com outros estudantes e profissionais. Contou pontos na premiação do cearense a sua atuação no combate ao comércio de fósseis, antes vendidos na rua em Santana do Cariri, e para conseguir repatriar fósseis importantes tirados do subsolo da Bacia do Araripe para museus de outros países.
*Flamínio Araripe
Jornalista e pesquisador.