Com o título “Urge direcionar o mercado de créditos de carbono para projetos de florestas marinhas oceânicas”, eis artigo de Cândido Henrique, geógrafo e x=superintendente do Iphan do Ceará. “A evidência científica é clara: florestas de algas marinhas são sumidouros de carbono altamente eficientes, com benefícios adicionais para a biodiversidade, a economia costeira e a resiliência climática”, expõe o articulista.
Confira:
Nesta semana, a cidade de Fortaleza é sede de um evento internacional sobre clima e desenvolvimento de áreas semiáridas, tido como um dos principais momentos preparatórios da COP30 de Belém, que ocorrerá em novembro deste ano. Muito se fala em mudanças climáticas como o maior desafio ambiental e socioeconômico da nossa era. No entanto, as políticas globais e investimentos ainda concentram a grande parte dos esforços em projetos relacionados às florestas terrestres. Novas evidências científicas mostram, porém, que o oceano e, em especial, as florestas de algas marinhas, podem ser a chave mais poderosa e subutilizada para mitigar a crise climática.
Quando pensamos em captura de carbono, é natural que florestas tropicais e temperadas venham à mente. De fato, essas áreas sequestram entre 2 a 11 toneladas de CO₂ por hectare/ano, segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC. No entanto, estudos recentes, publicados pela revista Nature, revelam que as florestas de kelp (algas marinhas) têm capacidade bruta de captura de até 173 toneladas de CO₂ por hectare/ano, com sequestro líquido estimado em 15 a 30 toneladas/ha/ano — várias vezes superior ao desempenho das florestas
terrestres.
Além da captura direta de carbono, o kelp desempenha papel essencial no transporte de biomassa para águas profundas, onde o carbono pode permanecer armazenado por séculos. Pesquisas conduzidas em Portugal confirmam que, quando normalizadas por área, as florestas de kelp sequestram carbono em taxas equivalentes ou superiores às de marismas e pradarias marinhas, habitats tradicionalmente reconhecidos como sumidouros de “carbono azul”. Portanto, as florestas marinhas não são apenas máquinas de captura de carbono. Elas:
– Protegem a biodiversidade, servindo como habitat para inúmeras espécies.
– Amortecem impactos costeiros, reduzindo erosão e efeitos de
tempestades.
– Sustentam cadeias produtivas, como a pesca artesanal, fortalecendo a
segurança alimentar.
– Contribuem para a resiliência climática, regulando processos
oceanográficos fundamentais.
A IUCN, publicou esse mês sua Estratégia Mediterrânea de Carbono Azul, reforçando que proteger e restaurar ecossistemas marinhos é essencial não apenas para o clima, mas também para os meios de vida costeiros, turismo sustentável e segurança ecológica de longo prazo.
Mas, então, por que ainda estão fora do mercado de carbono? Apesar de seu potencial, as florestas de algas têm ficado de fora dos mecanismos globais de compensação de emissões. Isso ocorre devido a desafios metodológicos e regulatórios, como a falta de protocolos padronizados para monitoramento, verificação e certificação. Contudo, iniciativas já mostram o caminho: o programa japonês J-Blue Credit certifica projetos com base em pradarias de eelgrass e florestas de kelp, abrindo precedente para sua integração em mercados internacionais
Então se o objetivo global é acelerar a neutralidade climática, não podemos continuar negligenciando a maior superfície de captura do planeta: os oceanos. Direcionar projetos de créditos de carbono para florestas marinhas significa maximizar a eficácia climática, com maior captura por hectare, diversificar os portfólios de mitigação, reduzindo riscos associados a incêndios florestais
e desmatamento e alinhar ciência e política, consolidando metodologias de certificação e atraindo financiamento verde.
A natureza já nos oferece soluções extraordinárias. A evidência científica é clara: florestas de algas marinhas são sumidouros de carbono altamente eficientes, com benefícios adicionais para a biodiversidade, a economia costeira e a resiliência climática. Agora, cabe a governos, certificadoras, investidores e sociedade civil redirecionar esforços e criar os instrumentos necessários para que os projetos de carbono azul oceânico sejam não apenas reconhecidos, mas priorizados como a principal arma natural contra as mudanças climáticas e falta ser posto na pauta de importantes eventos como o ICID que ocorre essa semana em Fortaleza.
*Cândido Henrique
Geógrafo e ex-superintendente do IPHAN do Ceará.