Com o título “Usuário não é vítima, mas cúmplice”, eis artigo de Plauto de Lima, coronel RR da PMCe, especialista em prevenção da dependência química e mestre em Planejamento de Políticas Públicas.
Nos anos noventa, era comum ver pessoas circulando com pesados toca-fitas ou toca-CDs. O equipamento tinha de ser retirado do veículo para evitar furto. Quando o crime era consumado, ouvia-se “conselhos” para a vítima ir até a “feira dos malandros”, uma área pública de Fortaleza utilizada para o comércio de objetos roubados ou furtados. As pessoas que iam para aquele local sabiam que o que era comercializado ali era fruto de crime, mesmo assim, frequentavam e compravam aqueles produtos. Dessa forma, o ciclo comercial ficava completo: Fornecedor – Produto – Cliente.
Obviamente, essa “economia bandida” estimula os criminosos a intensificarem sua atividade como qualquer outro negócio lucrativo, onde o motor é o mercado. Assim, ocorre com vários outros “comércios” ilícitos, tais como o tráfico de seres humanos e de órgãos, mercadorias falsificadas, roubo de cargas, pornografia infantil etc. Todavia, mesmo alimentando essa teia criminal, a maioria de seus consumidores posa como vítima. Dentre esses negócios ilegais que apresentam grandes lucros e levam ao caos social, destaco o tráfico de cocaína.
Não existe nenhum produto no mercado formal ou informal capaz de gerar o lucro da cocaína. Um quilo de cocaína, quando sai da Amazônia colombiana, é vendido a 1.500 dólares; no México, é repassado a 16 mil; nos Estados Unidos, a 27 mil; na Espanha, a 46 mil; na Itália, a 57 mil; e no Reino Unido, a 77 mil. Esses são exemplos de como o lucro da venda de cocaína é estratosférico. Segundo o International Narcotics Control Board, cerca de 25% das duzentas ou trezentas toneladas de cocaína, consumidas anualmente na Europa, passam pelo Brasil, utilizando sua estrutura de portos e aeroportos.
O estado do Ceará, devido à sua posição geográfica, tornou-se um dos locais escolhidos para a passagem desse “ouro branco” para o mercado consumidor internacional. O primeiro sinal de que os narcos haviam escolhido o Ceará ocorreu em 1991, quando a polícia cearense apreendeu 992 quilos de cocaína pura, escondida dentro de inhames, que seriam levados em um navio ancorado no Porto do Mucuripe. Na época, essa apreensão foi comemorada como algo positivo, todavia, as autoridades locais não perceberam que estavam apenas diante da ponta de um iceberg. Para se ter uma ideia do aumento desse volume, somente nos primeiros oito meses de 2024, foram apreendidas mais de 5 toneladas de drogas.
Diante da inércia das nossas autoridades, os narcos resolveram agir dentro do Estado para ampliar seu negócio. Pequenos marginais da periferia foram alistados e agrupados, formando o que ficou conhecido como facções, para vender a cocaína de baixa qualidade que não era embarcada para a Europa, assumindo o comando de territórios urbanos e criando um verdadeiro Estado paralelo. Isso causou um aumento de usuários nas pequenas e grandes cidades cearenses e uma explosão da violência, com destaque para a capital e para as cidades que compõem sua região metropolitana. Voltando ao furto de aparelhos de som veicular que citei no primeiro parágrafo deste artigo, lembro que parou de acontecer, após a falta de clientes para a compra dessa mercadoria. Isso não se deu devido a uma maior eficácia do Estado no combate a esse crime, mas sim em razão de novas tecnologias que dispensavam o uso desse aparelho nos veículos. Com isso, a tríade comercial ficou incompleta: o cliente receptor desapareceu e não se mostrou mais financeiramente vantajoso cometer esse tipo de crime.
Com relação ao tráfico de drogas, devemos também romper esse ciclo comercial, e, para que isso ocorra, existe um personagem central que comumente é colocado como vítima do tráfico, mas que, na verdade, é o motor que movimenta esse negócio ilegal: o usuário de drogas. Semelhante ao receptador de um produto roubado, o usuário é cúmplice e financiador dessa economia bandida. Mesmo não devendo ser assemelhado ao traficante, não pode ter sua responsabilidade minimizada, pois é o principal personagem para que esse comércio ilegal prospere.
*Plauto de Lima
Coronel RR da PMCe, especialista em prevenção da dependência química e mestre em planejamento de políticas públicas.
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Embora Plauto de Lima apresente um argumento provocativo ao responsabilizar o usuário de drogas como cúmplice do tráfico, essa visão simplifica demais a complexidade do problema. Ao comparar o usuário a um receptador de produtos roubados, o autor desconsidera os fatores sociais, psicológicos e econômicos que levam ao consumo de drogas. Muitos usuários são, na verdade, vítimas de condições como a dependência química, pobreza, e falta de acesso a tratamentos adequados, o que torna difícil atribuir-lhes a mesma responsabilidade de um cúmplice consciente. A solução para o tráfico exige não apenas repressão ou responsabilização do usuário, mas também políticas de prevenção, tratamento e inclusão social.
Portugal, devido à sua posição geográfica, é uma das portas de entrada desse lixo aqui na Europa.
Mais um excelente artigo de Plauto de Lima,👏🏼👏🏼 Parabéns!