“Viralatismo” – Por Alexandre Aragão de Albuquerque

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política

“Armínio Fraga propaga uma visão vira-lata, o notório discurso propagandista e ideológico de alinhamento com o Deep State estadunidense”, aponta o cientista político Alexandre Aragão de Albuquerque

Confira:

Em uma de suas crônicas esportivas escritas na Revista Manchete, o jornalista brasileiro Nélson Rodrigues descreveu nos seguintes termos um fenômeno psicossocial que, segundo ele, seria típico da natureza do povo brasileiro: “Só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de complexo de vira-lata. O que vem a ser isso? Eu explico. Por complexo de vira-lata entendo a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. (Rodrigues, Nélson. Complexo de vira-latas. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol. São Paulo: Cia. das Letras, 1993).

Portanto, na concepção rodrigueana, o complexo de vira-lata seria uma metáfora para representar uma espécie de sentimento generalizado de inferioridade coletiva intrínseca à cultura brasileira que impulsionaria seu povo a valorizar mais a realidade de pessoas de países estrangeiros do que dos próprios brasileiros.

Mas se for verdadeiro, isso ocorreria de forma voluntária?

Segundo a Teoria da Identidade Social (TIS), indivíduos organizam o seu mundo social em categorias, de modo a se perceberem como membros de algumas categorias (nós) e como não membros de outras (eles). A consequência lógica desse processo seria a ativação da motivação dos indivíduos para avaliarem mais positivamente o seu grupo do que os outros grupos, para manterem a autoestima positiva. (Santos, Marcos Franscisco dos. A Psicologia Social do Complexo de Vira-lata. João Pessoa-PB: UFPB, março de 2019).

Segundo a TIS, o complexo de vira-lata seria uma anomalia identitária porque refletiria a construção de uma identidade social negativa, o que também foi registrado pela perspectiva de Rodrigues: “O brasileiro gosta muito de ignorar as próprias virtudes e exaltar as próprias deficiências, numa inversão do chamado ufanismo. Sim, amigos, somos uns Narcisos às avessas, que cospem na própria imagem”. (Idem).

Ou como problematizou Caetano Veloso, “Toda a noite é a mesma noite, a vida é tão estreita, nada de novo ao luar, todo mundo quer saber com quem você se deita, nada pode prosperar… numa dor que é sempre igual”. (A Luz de Tieta, 1996).

Mas isso não se dá de forma voluntária. Para estudiosos da Teoria da Identidade Social, a imagem negativa do próprio grupo ocorre quando a comparação social realizada por minorias torna saliente a posição de menor valor social do endogrupo (grupo nacional) em relação ao exogrupo (grupo estrangeiro), produzindo uma dissonância entre a necessidade de autoestima positiva e a consciência de pertença a um grupo desvalorizado.

Tais recortes comparativos levam alguns indivíduos a não se reconhecerem no endogrupo ao qual pertencem e a se identificarem com o exogrupo, em função de tentarem reduzir tal dissonância. Isto ocorre quando essas minorias legitimam a organização hierárquica dos grupos. As investigações sobre a questão têm mostrado que tais minorias favorecem o exogrupo em dimensões relevantes para a legitimação das desigualdades sociais nas relações intergrupais. (Santos, idem).

No sábado 12, na 11ª. Brazil Conference, evento anual realizado pela comunidade brasileira de estudantes em Harvard, na região de Boston (EUA), o economista carioca Armínio Fraga, vice-presidente do banco de investimentos Salomon Brothers (1989-1991), em Wall Street (EUA); principal conselheiro de investimento do magnata Geroge Soros (1993-1999), operando os chamados “hedge funds”; ex-presidente do Banco Central do Brasil (1999-2003), no governo FHC, foi o palestrante no painel ‘Economia: Trump, Tarifas e o Fim da Globalização’.

Em um trecho de sua palestra, repetindo o que os pais fundadores norte-americanos anunciaram no final dos anos 1700, Armínio Fraga destacou que “os Estados Unidos sempre foram uma espécie de Estrela-Guia para que o resto do planeta evoluísse bem. Não podemos perder isto”. (Armínio Fraga – 12/04/2025 | Diário do Grande ABC).

Trata-se tipicamente de uma visão vira-lata, notório discurso propagandista e ideológico de alinhamento com o Deep State estadunidense, confessando-lhe um sentimento de pertença absoluto, manifestando uma total ausência de visão crítica à sua política externa de dominação, com suas intervenções militares históricas que causaram e continuam causando destruição e sofrimento a populações de várias partes do mundo, inclusive o Brasil como ocorreu na ditadura militar de 1964-1985, denunciada recentemente pelo filme Ainda Estamos Aqui, como por muitas outras obras cinematográficas e literárias.

Por volta da metade do século XIX, ganhou força o famoso slogan do “direito ao nosso destino manifesto de cobrir e possuir o continente inteiro – Norte e Sul – direito que a Providência nos deu para o grande experimento da liberdade e autogoverno federado. Uma terra vigorosa e recém-saída das mãos de Deus, com uma missão abençoada para com as nações do mundo”. (John O’Sullivan, artigo em 1845, repetindo o axioma dos fundadores). Logo em seguida aconteceu a anexação de metade da superfície do México.

Em 1912, o presidente Woodrow Wilson, dando ares messiânicos à presunção imperial estadunidense, proclamou: “Eu acredito na Providência. Eu acredito que Deus presidiu a criação de nossa nação. Somos escolhidos, e escolhidos de forma proeminente, para mostrar às nações do mundo como elas deverão andar”. (Anderson, Perry. A Política Externa Americana e Seus Teóricos. Editora Boitempo, 2015).

Desde então, a democracia liberal estadunidense se tornou um mito enferrujado e enganador, conduzindo-se a um crescente monopólio e à concentração do poder econômico e bélico, cujo livre-comércio era uma ficção ridicularizada pelos seus subsídios estatais. A luta de classes, declarada como inexistente, era resolvida com bombas de gás lacrimogênio e violência policial interna. E no exterior, a máquina de guerra norte-americana dizimava os grupos considerados por ela inferiores: coreanos, vietnamitas, iraquianos, bósnios, granadinos, sudaneses, afegãos, ucranianos, palestinos. (Anderson, idem).

E Armínio Fraga, em pleno século XXI, utilizando-se da mesma visão messiânica da “Estrela-Guia”, continua a comportar-se como o papagaio da ideologia do destino manifesto estadunidense, de mãos dadas com Bolsonaro que bate continência à bandeira norte-americana e lambe os sapatos de Donald Trump, ambos posando como exemplos para outros entreguistas.

Alexandre Aragão de Albuquerque é escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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