“Vozes da infância” – Por Totonho Laprovítera

Totonho Laprovítera é arquiteto e escritor. Foto: Reprodução

Com o título “Vozes da Infância”, eis mais um conto da verver de Totonho Laprovitera, arquiteto, escritor e artista plástico.

Confira:

Instigado pela consogra Caterina, exponho: meu jeito de falar não veio da escola, nem foi ensinado em sala de aula. Ele nasceu dos livros e das vozes que aindaguardo com o peso da história e o valor do silêncio.

Quando criança, eu costumava repetir o que escutava. Assim, aprendi muito com os anjos que passaram pela minha casa, tornando-se parte da família e, até hoje, guardam-me. Cada um com sua própria história, seu jeito e sabedoria simples. Ao ouvir seus causos, risadas e desabafos, percebi a força da palavra e a importância de saber escutar. Também observava os tipos populares que volta e meia apareciam – Radiopatrulha, Maria Maranhão e Chico Padre eram os mais constantes.

Meu pai, Geraldo, era dentista. Espirituoso, de inteligência rara, falava com clareza, sem dar margem a dú vidas. Com ele, aprendi a importância da inteligência aplicada com humildade e da palavra dita de verdade. Partiu cedo, mas seu exemplo e suas liçõ es nas conversas que tivemos ainda guiam meus valores de vida.

Minha mãe, Marluce, era atenta e extremamente dedicada à família. Acompanhava de perto nossos estudos e sabia conduzir as conversas com muita confiança. Tinha o dom de educar, de um jeito duro e doce. Ela tocava piano, e sua fala era firme e cheia de saberes.

Vovô Miguel, com seu forte sotaque italiano, falava da Calábria e das durezas que viveu na Primeira Guerra, onde foi ferido. Suas histórias eram fortes e tocantes, como se a dor do passado se aliviasse ao ser contada. Com ele, aprendi que contar é lembrar e uma forma de curar.

Vovó Mariana, com os olhos quase cegos, contava dos tremores de terra da Calábria e da paz achada no Brasil. Cozinhava divinamente bem e tinha uma maneira bastante discreta, quase calada, de compartilhar experiências.

E havia Maria, minha segunda mãe – escolhida. Não sabia escrever, mas lia em letra de forma e era de uma sabedoria imensa. Gostava de ler folhetins, de ouvir rádio e de assistir a filmes musicais na televisão. Criativa, tinha a sensibilidade inventiva aguçada. Com ela, atingi o juízo das orações que vão além das palavras.

Essas vozes, todas juntas, formaram o meu jeito de falar. Aprendi que, para nos comunicarmos, não basta apenas o som das palavras – é preciso compreender seus sentidos, ditos nas entrelinhas, nos silêncios, nos olhares. Ouvindo essas histórias e esses modos de dizer, aprendi a me expressar e, de algum modo, a me compreender.

E até hoje, quando me pronuncio, tenho a certeza de não dizer sozinho. Cada palavra minha é um coro das vozes de quem me ensinou a escutar e a falar.

*Totonho Laprovítera

Arquiteto, escritor e artista plástico.

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