Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

“Eu vi uma roda punk de mulheres”

Marcos Robério Santo é jornalista. Foto: Arquivo Pessoal.

Com o título “Eu vi uma roda punk de mulheres”, eis artigo de Marcos Robério Santo, jornalista. “Existe ali, naqueles poucos minutos de roda, uma carga simbólica muito forte, como se aquelas mulheres fizessem um corte no espaço-tempo, criando um lapso no qual podem ser e expressar o que quiserem”, expõe o articulista.

Confira:

Um dos momentos mais emocionantes que presenciei nos últimos meses ocorreu no último sábado (3), durante os festejos de pré-Carnaval. Foi na apresentação do bloco Pra Quem Gosta é Bom (que, de fato, é muito bom), na Estação das Artes, equipamento cultural que fica no Centro de Fortaleza. Lá pelas tantas, o grupo pede que os foliões abram uma grande roda – algo semelhante à chamada roda punk, surgida décadas atrás em shows de bandas de rock estadunidenses. Em dado momento, ao comando do bloco, forma-se uma roda só de mulheres, que cantam, dançam, pulam, se esbarram, se esbaldam. Livres, leves, soltas e potentes.

Poderia ser algo simples, banal, corriqueiro. Mas, por uma série de fatores, aquele momento não é tão comum e por isso chama a atenção. Existe ali, naqueles poucos minutos de roda, uma carga simbólica muito forte, como se aquelas mulheres fizessem um corte no espaço-tempo, criando um lapso no qual podem ser e expressar o que quiserem. Sem amarras, sem julgamentos e, o mais importante, sem o risco do assédio masculino.

E aqui peço licença para deixar claro que falo do meu lugar de espectador, sem o conhecimento de causa da experiência em si e sem idealizações. “Não é por nada que olho: é que eu gosto de ver as pessoas sendo”, como diz Lóri, personagem do belíssimo “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector. E naquela hora eu as vi sendo.

Mas, logicamente, só quem pode dizer com propriedade como é e o que significa estar em uma roda como essa são as próprias mulheres. O que posso assegurar é que – mesmo que por um breve momento, que poderia ser eterno – vê-las fazer o movimento de abrir espaço, ir para o centro, se juntar e curtir loucamente enquanto os homens apenas observavam foi algo pedagógico, de uma liberdade contagiante.

No mundo ideal, não precisaria haver uma roda punk só de mulheres. Assim como não precisaria haver vagões exclusivamente femininos nos metrôs de algumas cidades ou propagandas de Carnaval reforçando algo que deveria ser óbvio: “não é não”. Porém, como o mundo está muito longe do ideal, infelizmente são necessárias ações como garantir lugares para mulheres, estabelecer formas de proteção para elas e intimidar homens héteros cis a fim de prevenir determinadas atitudes tipicamente nossas.

É válido acrescentar que o Pra Quem Gosta é Bom (que, repito, é muito bom) não promove apenas a roda de mulheres. Tem roda só para gays, para lésbicas, para bissexuais, para pessoas trans, e por aí vai. Desavisados podem achar que isso é um estímulo à divisão. Pelo contrário. É uma diferenciação para afirmar identidades e orientações, para reconhecer a existência e o protagonismo de grupos socialmente minoritários e, aí sim, mostrar que a partir daquela multiplicidade é que deve ser pensada a igualdade.

DICA: o podcast Rádio Novelo Apresenta produziu recentemente um episódio interessante, chamado “O lugar das meninas”, sobre as rodas punk de mulheres, com informações e olhares pertinentes em relação ao assunto. Tem disponível neste link: https://radionovelo.com.br/originais/apresenta/o-lugar-das-meninas/.

Bom Carnaval!

*Marcos Robério Santo

Jornalista.

 

COMPARTILHE:
Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
Email
Mais Notícias