Com o título “O velho e o bar”, eis artigo de Demétrio Andrade, jornalista e sociólogo. Pois é, o tempo passa, o tempo voa e as pessoas vão acumulando experiências: boas ou não.
Confira:
“ópios, édens, analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo o que me sobra
sofrer vai ser a minha última obra” (Leminski)
Alguém me disse uma vez que, depois dos 50, caso você não sinta alguma dor é porque está morto. E não são só dores pelo corpo. A alma também se ressente. Tô cruzando os 55. E passei por algumas experiências bem marcantes nos últimos meses. Maratonista, o médico me proibiu de correr por conta do joelho. Antes, os olhos já tinham passando por algumas intervenções. Minha perda auditiva continua firme e forte, acompanhado de um zumbido que chamo intimamente de “Zazueira”, em homenagem ao Jorge Benjor. Recentemente, fiz uma cirurgia pra remover uma hérnia. Faz parte. A máquina precisa de manutenção.
Em paralelo, meu filho primeiro foi morar fora a trabalho. É bom ver as crias voando do ninho, em processo de evolução. Um sinal de que a gente fez nosso trabalho direito e eles agora sabem que o mundo é deles. Mas dói, né? A distância sempre imprime uma quilometragem maior de saudade.
Na sequência, dia desses fui pro show da Simone com minha sogra. Foi massa. Aliás, descobri que tenho uma penca de músicas daquela baiana linda que me calam mais fundo que Gal ou Bethânia. Como rezam Ary e Caetano, “a Bahia tem um jeito…”. Mas tive algumas surpresas. Perguntei aos meus filhos quem queria ir. Pasmem: ninguém a conhecia. Cheguei no show e a média de idade era compatível com a do Lar Torres de Melo. Pensei: por que diabo essa mulher foi gravar aquela versão natalina do Lennon? Enfim, me descobri velho. Ainda não oficialmente, mas francamente no rumo. Desisti de tênis com cadarço. Aprendi, na dureza da sala de aula, que não posso mais falar impunemente “vocês lembram do impeachment do Collor?” sem sentir o som triste dos grilos no silêncio.
Pensei: pelo menos os bares permanecem. Parafraseando o Hemingway, me veio até o título da minha autobiografia: “O velho e o bar”. Doce ilusão: sou informado que o Serpentina fechará as portas. Já tinha sido ruim sonhar com o Amici’s na cama perguntando “foi bom pra você?”. Agora mais essa.
Sem crise. Eu estive lá. Como no adágio romano “vim, vi e venci”. O Serpentina marcou com sua simplicidade e aconchego, dando tudo o que se espera de um bar: cerveja gelada, boas companhias, papo reto e boa música. Reduto doce da esquerda festiva capitaneado pela Carol, com auxílios cíclicos de Camila, Felipe e Maurição. Muita gente boa por metro quadrado.
Como ensina o primo Oswald, “as coisas são. As coisas vêm. As coisas vão. As coisas vão e vêm. As horas vão e vêm. Não em vão”. Meu aniversário será por lá. Quanto mais Serpentina melhor. Sem nostalgia. Sei que o amanhã me guardará sempre algo belo. Nem que sejam velhas novidades.
*Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.
Uma resposta
Coisas da vida, por um lado comemorar idade nova do amigo Demétrio e do outro lamentar o fechamento de mais um reduto da cultura da nossa Fortaleza, o nosso querido Serpentina. Vida que segue.