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“A Intolerância do Politicamente Correto e da Política Identitária”

João Arruda, professor aposentado da UFC e sociólogo. Foto: Arquivo Pessoal.

Com o título “A Intolerância do Politicamente Correto e da Política Identitária”, eis artigo de João Arruda, professor aposentado da UFC e sociólogo. O tema que ele aborda é por demais curioso.

Confira:

No Brasil, o mês de novembro vai entrar para a história como o mês da lacração. No seu primeiro dia, em uma entrevista concedida ao “Bom dia, ministro”, no canal do governo federal, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou, com a sapiência que lhe é peculiar, que o termo “buraco Negro” é racista. Esqueceram de dizer para ela que esse termo é utilizado pela astrofísica para se referir a uma região do espaço-tempo com um campo gravitacional tão forte que nada, incluindo as partículas da luz, pode escapar da sua atração gravitacional. Na segunda-feira, dia 27, enquanto era ouvida na CPI das ONGs, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criou um enorme constrangimento no plenário do Senado quando, de maneira deseducada, repreendeu o presidente da CPI, Plínio Valério, por ele ter usado o termo “caixa preta”, lhe fazendo uma observação irretocável: “Senador, esse termo é racista, ele agride a população negra”. Nesse mundo de vulgaridade e intolerância, o TSE não podia ficar indiferente. No último dia do mês, por ocasião do “Dia da Consciência Negra”, ele lançou a cartilha “Expressões Racistas”. Entre as 40 preciosidades proibidas, encontramos: a coisa tá preta, boçal, cor de pele, criado-mudo, esclarecer, feito nas coxas, humor negro, mercado negro, ovelha negra, samba do crioulo doido, etc.

Essas reações são surrealistas, afinal, vivemos sob a égide do pós-modernismo, corrente filosófica que afirma que hoje vivemos uma era livre das estruturas opressivas do passado, estando livres de todas as amarras. Segundo Michel Foucault, um dos mais influentes ideólogos do grupo, “não faz sentido falar em nome da Razão, da Verdade ou do Conhecimento”. Isso é coisa do passado. Richard Rorty complementa o argumento de Foucault afirmando que “se não há mundo ou ”eu” para compreender e conceber em seus próprios termos, então qual é o propósito do pensamento e da ação”? Partindo desses pressupostos, os Pós-Modernistas concluem dizendo que, se a Razão não existe, pois ela “é a derradeira linguagem da loucura”, não há nada que guie ou restrinja nossos pensamentos e sentimentos. Estamos, pois, livres para pensarmos e agirmos como bem entendermos.

No plano das relações sociais, o ativismo pós-modernista nos impõe um padrão de ignorância imensurável. Para essa militância, os horrores praticados no mundo ocidental não são sentidos igualmente por todos. Os homens, brancos e ricos têm na mão o chicote do poder, e utilizam cruelmente contra as mulheres, minorias raciais, homossexuais e pobres. Aqui surge uma questão que não quer calar: esse postulado só se aplica no Ocidente?

Mas as aberrações wokes não param por aí. Andréa Dworkin, famosa filósofa e militante feminista, vai mais longe em seu delírio de condenação dos homens. Sem usar meias palavras, ela afirma categoricamente: “O sexo normal, realizado por um homem normal é considerado um ato de invasão e de apropriação, praticado como uma forma de predação”. Comprovando que o ódio da Dworkin está fazendo escola, recentemente, em uma concentração feminista em defesa do aborto realizada na capital paulista, uma adolescente segurava um cartaz com os dizeres: “Aborte só os filhos homens”. Ambas são, sem dúvida nenhuma, típicas reações misândricas ou, se preferir, heterofóbicas.

Rigorosamente, esse pensamento, que legitima todas as formas de imbecilidades comportamentais e que visa implodir os padrões e valores das sociedades ocidentais, tem suas raízes ancestrais na Inglaterra, no final do século XIX, onde os fabianistas, movimento socialista inglês, com grande influência no mundo sindical, afirmavam que a classe trabalhadora somente chegaria ao poder com o aniquilamento dos padrões e valores vigentes na sociedade inglesa. Nos anos 30 do século XX, Gramsci resgata parte do pensamento fabianista e elabora a sua proposta de Revolução Cultural. Discordando radicalmente do modelo de revolução proposto por Lenin e por outros teóricos marxistas, ele não acreditava na eficácia da luta de classes como forma de tomada do poder nos países capitalistas. Para Gramsci, a verdadeira ação revolucionário teria que ser capaz de desmoronar todos os valores judaico-cristãos consolidados no mundo ocidental. A vitória do socialismo só seria possível com a implosão de toda a superestrutura político-ideológica de uma sociedade, como a família, a escola, a Igreja, os meios de comunicação de massa, etc.

Nos anos 60, durante o movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, principalmente dentro das Universidades, tendo à frente a nova esquerda americana, foi elaborado um novo “código do discurso”, fortalecendo as bizarrices do politicamente correto e da intolerante política identitária. Logo esse nocivo modismo, que ficou conhecido como “cultura woke”, se espalhou por todo o mundo ocidental. Não por coincidência, ele toma força com a crise do socialismo real – que deixou a esquerda marxista sem referenciais -, e com a proliferação do pós-modernismo. No Brasil, a cultura woke chega ainda no início do governo FHC. Seus militantes, assumindo o papel de justiceiros sociais, se propuseram a combater todas as formas de injustiças, descriminações e desigualdades sociais, sejam elas reais ou imaginárias.

No primeiro governo Lula, esse movimento chegou ao paroxismo. Em sua caminhada fascistoide ruma à construção da novilingue e do Ministério da Verdade, em 2004, a Secretaria Especial de Direitos humanos da Presidência da República lançou a cartilha “Politicamente Correto & Direitos Humanos” contendo um índex de noventa e seis palavras e expressões cotidianas que deveriam ser evitadas. Algumas são risíveis, o que denuncia a mediocridades dos seus idealizadores. Segundo a Cartilha, “Não se deve chamar alguém considerado pouco sério de “palhaço” ou de “barbeiro” o mau motorista, porque os termos ofenderiam os profissionais dessas áreas”. É importante observar que, os que se negam a obedecer essas inutilidades linguísticas são lacrados e execrado nas redes sociais e em outros espaços de convivência por cometerem “crimideia”, segundo os ensinamentos do Grande Irmão.

Coerente com essa nova ordem de pensar, no dia 27 de fevereiro de 2012, o Ministério Público Federal (MPF), em Uberlândia, entrou com uma ação civil pública contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss, solicitando a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição das edições do Dicionário Houaiss, sob a alegação de que a publicação é discriminatória e preconceituosa em relação à etnia cigana. Continuando suas ações para censurar a livre expressão, os defensores do politicamente correto avançaram também na produção literária. O Conselho Nacional de Educação, por exemplo, tentou proibir os livros “Caçadas de Pedrinho” e “Negrinha”, do escritor Monteiro Lobato. Esse vergonhoso fato aconteceu durante a “majestosa” gestão do eclético petista Fernando Haddad no MEC. As músicas que preenchiam o nosso imaginário infantil, como Atirei o pau no Gato, Samba Lelê, O Cravo Brigou Com a Rosa, Macha Soldado Cabeça de Papel, Boi da Cara Preta, Ciranda Cirandinha, Tororó, O Pai Francisco, A Canoa Virou, Pirulito que bate bate, entre outras, são consideradas politicamente Incorretas. Para finalizar, como prova macabra dessa Revolução Cultural woke, recentemente, o cantor e compositor Luiz Caldas foi multado em 30% do valor do seu cache, pela prefeitura petista de Camaçari, por ter cantado, a pedido do público, o seu grande sucesso “fricote”, cujo um dos versos diz: “Nega do Cabelo Duro, que não gosta de pentear”. Segundo os censuradores petistas, a música era racista e desrespeitosa às mulheres negras.

O ativismo do Politicamente Correto vem subindo em sua escala ofensiva para silenciar aos que ousam pensar fora da bolha. O filósofo Luiz Pondé, no livro “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia”, com muita propriedade, detona a agenda woke: “O problema do politicamente correto é que ele acabou por criar uma agenda de mentiras intelectuais (filosóficas, históricas, psicológicas, antropológicas etc.) a serviço do bem, gerando censura e perseguições nas universidades e na mídia para aqueles que ousam pôr em dúvida as suas mentiras do bem”.

Como esses militantes são, em sua maioria, ortodoxos e incoerentes, é fácil perceber que as agendas wokes do politicamente correto e da política identitária estão simplesmente confundindo as causas pelos seus efeitos. Se analisarmos historicamente o surgimento das expressões ditas preconceituosas, veremos que elas apareceram a partir de situações sociais concretas, e não o inverso, como essa militância equivocada acredita. As discriminações e preconceitos correntes em uma sociedade têm suas bases históricas que explicam e localizam as suas existências. É preciso entender que a mudança da linguagem não altera os fatores sócio-históricos que a geraram. É um enorme equívoco você acreditar que mudando as palavras você mudaria o conjunto das relações sociais, mesmo porque, não podemos esquecer que as palavras são polissêmicas.

Chega de babaquice! Não podemos acreditar que substituir uma palavra que teria uma possível conotação pejorativa por um eufemismo, como propõem os censuradores do bem, tenha alguma eficácia. O que ocorre é que estamos apenas substituindo sua conotação por outra escolhida. Na prática, o que muda quando você substitui a expressão “negro” pela expressão “afrodescendente”? Exatamente nada, pois o significado é o mesmo.

O contraditório nesse universo de grande intolerância woke, é que os censores do bem vivem pregando o respeito e a tolerância à diversidade, mas não toleram qualquer questionamento às suas verdades e rejeitam agressivamente a ousadia dos que lutam pela diversidade ideológica, principalmente se isso ocorre em uma Universidade Pública.

*João Arruda,

Professor e sociólogo.

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Respostas de 4

  1. Perda de tempo e de debates inúteis para uma questão inócua.
    Coisa de quem tem compromisso com o caos na sociedade.
    Petralhas e petralhas.

  2. Ideia excelente altamente valorizada por uma descrição impecável, que me fez retroceder no velho tempo e lembrar o cronista Standislaw Ponte Preta com o seu ótimo FEBEAPA ( FESTIVAL DE BESTEIRAS QUE ASSOLAM O PAÍS). Eu não aguento mais esse festival de idiotices

  3. O senso crítico do professor universitário, João Arruda, em relação ao terceiro mandato presidencial do Lula (PT), é algo necessário no combate ao populismo identitário. Forte abraço ao meu amigo e irmão: Eliomar de Lima.

    Luiz Cláudio Ferreira Barbosa é sociólogo e consultor político

  4. Espetacular!!! Reflexão muito boa sobre nosso atual contexto político!!! Triste ver essa PTzada dedicando tempo de Governo para lacração!!! Muito bom professor João Arruda!!

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