“Quando o Natal pede silêncio e o tempo pede presença” – Por Luiz Henrique Campos

“Criamos disputas artificiais, narrativas absolutas e identidades rígidas que passam a nos definir mais do que nossos afetos. Levamos essas amarras para a mesa da ceia, transformando o espaço do encontro em um campo de vigilância emocional. O resultado é um Natal vivido pela metade, com corpos presentes e espíritos ausentes”, aponta o jornalista Luiz Henrique Campos

Confira:

O Natal sempre foi um tempo de pausa. Uma espécie de respiro coletivo em que o mundo desacelera simbolicamente para que possamos nos reencontrar. A modernidade todavia, aquela que nos traria o conforto e o bem estar para que o homem pudesse exercer a sua plenitude como ser humano, não deixa de nos pregar peças, mexendo com o afeto, que deveria ser a mola mestra da existência. Uma pesquisa recente, por exemplo, mostra que 21% dos brasileiros têm medo de que brigas políticas atrapalhem o Natal, um dado que revela mais do que divergências ideológicas. Revela, de fato, o quanto estamos tensionados por construções que, muitas vezes, nós mesmos alimentamos.

Criamos disputas artificiais, narrativas absolutas e identidades rígidas que passam a nos definir mais do que nossos afetos. Levamos essas amarras para a mesa da ceia, transformando o espaço do encontro em um campo de vigilância emocional. O resultado é um Natal vivido pela metade, com corpos presentes e espíritos ausentes.

Nessa linha, o belo documentário Quanto Tempo o Tempo Tem, surge como um convite delicado a essa reflexão. Ele nos lembra que o tempo não é apenas o que passa no relógio, mas aquilo que se vive, ou se perde, na ausência de presença. Quando estamos presos a conflitos fabricados, deixamos de experimentar o real, o gesto simples, a escuta atenta, o silêncio que acolhe.

Ao nos apegarmos a certezas absolutas, nos tornamos alvos fáceis de discursos ilusórios, que prometem pertencimento, mas entregam isolamento. Perdemos autonomia, autenticidade e, sobretudo, a capacidade de reconhecer o outro como alguém que também carrega suas dores, histórias e esperanças.

O Natal, talvez, não seja sobre concordar, mas sobre escolher não ferir. Sobre compreender que o tempo compartilhado é mais valioso do que qualquer debate vencido. No fim, o que fica não é o argumento mais afiado, mas o afeto preservado.

Que este Natal, se pelo menos não possamos viver o essencial, pelo menos aproveitemos o tempo com mais humanidade e menos ruído.

Luiz Henrique Campos é jornalista

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