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“Papo de criança”

Totonho Laprovítera é arquiteto e escritor. Foto: Reprodução

Com o título “Papo de criança”, eis mais um conto da verve de Totonho Laprovítera, arquiteto, escritor e artista plástico.

“Mais vale ser criança que querer compreender o mundo.” (Fernando Pessoa)

Hoje, assim que acordei e abri a capa do olho, comecei a me lembrar de passagens que vivi na infância. A nossa vizinhança era repleta da meninada de idade próxima, portanto, não era difı́cil da gente se reunir para bater um racha. Eram tempos simples, mas cheios de aventura e amizade, que nos marcaram para sempre.

Na infância, morando na Rua Tibúrcio Cavalcanti (com “i” mesmo), lembro-me do campo de futebol improvisado no gramado de uma casa, onde os irmãos Hugo e Romildo eram os donos da bola e do campo. Guilherme trazia jogadas e Mirulas do Rio de Janeiro, e o chute mais forte vinha do Coca, temido em cobranças de pênalti. Pela televisão – só existia a TV Ceará Canal 2 – e revistas em quadrinhos, assistı́amos à personagens que não condizem com o que hoje é considerado correto.

Tarzan correndo nu pela selva, Cinderela chegando em casa à meia-noite, Aladdin sendo ladrão, Batman dirigindo a mais de mil, Pinóquio mentindo, Bela Adormecida dormindo o tempo todo, Zé Colmeia e Catatau sendo cleptomanı́acos, Branca de Neve vivendo com sete homens pequenos, Olı́via Palito lidando com bulimia, Popeye fumando erva, Super-Homem com a cueca por cima da calça, Margarida envolvida
com Pato Donald e Gastão, Bolinha e turma com um clube onde meninas não eram aceitas, e os Irmãos Metralha formando uma gangue de ladrões. A influência desses personagens em nossa formação é inegável e pode explicar nossos valores distorcidos. Afinal, como podemos ser normais depois de
aprender com figuras tão bizarras?

Agora, puxando um papo cabeça, quando era criança, sofri um acidente enquanto brincava na escada do mezanino da garagem lá de casa. Ao descer de costas, acabei perdendo um degrau e batendo com a nuca em um engradado de madeira. Apaguei na hora e só recuperei a consciência mais tarde, sob os cuidados dos meus pais e de um médico. Por sorte, nã o sofri nenhum ferimento grave, apesar dos pregos enferrujados no engradado.

Falo sobre esse acidente porque, curiosamente, mesmo sem ter a cabeça grande, já fui chamado de “Cabeção” na infância. Essa arenga, hoje considerada bullying, não me chateava, assim como ser chamado de “Oião” ou “Vela Branca”.

De volta ao do tamanho da minha caixa craniana, acho que o galo formado pelo acidente supracitado solidiMicou e virou uma protuberância óssea no coco do meu quengo, chega tem é Zé para eu achar um chapéu ou boné que dê em mim.

Pois é, até hoje eu preciso da minha infância para enfrentar a vida. Depois eu conto mais.

*Totonho Laprovítera

Arquiteto, escritor e artista plástico.

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