“Lidando contra meu eu” – Relatos Organizados Por Mirelle Costa

Em referência ao Agosto Lilás, mês da conscientização e enfrentamento à violência contra as mulheres, a jornalista e escritora Mirelle Costa relata diariamente, neste espaço, casos que servem de alerta a todos nós

Confira:

(O texto abaixo foi escrito por uma mulher vítima de violência doméstica, atendida na Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza. O texto compõe a obra “Após a Morte do Conto de Fadas, a Ressurreição”, publicada pelo Senado Federal, e organizada pela jornalista e escritora Mirelle Costa. Este texto pode conter gatilhos emocionais que podem afetar algumas pessoas). 

Se eu soubesse que minha vida iria mudar tanto assim naquele ano de 2003, jamais teria me envolvido com aquele homem que se mostrou tão bom, cavalheiro e amoroso, porque pensei que, por ele ser mais velho que eu, ele seria um homem cuidadoso, zeloso. No começo do nosso namoro, ele era gentil, carinhoso, amoroso, e isso fez com que eu ficasse encantada por ele.

Eu era apenas uma jovem de vinte anos, mas com uma bagagem muito grande, pois já era mãe e praticamente “solo”, pois o pai de minha filha nunca a assumiu e tive que criá-la sozinha.

Morava com minha mãe e meus dois irmãos por parte de mãe. Ela me ajudou a criar minha filha até o dia em que eu decidi me “juntar” com meu ex-marido. Confesso o quanto foi doloroso e difícil sair da casa da minha mãe, mas era preciso, pois eu tinha que tornar um rumo na minha vida.

Morar com minha mãe era bom, mas tinha seus contratempos. Ela era uma pessoa difícil de lidar, muito nervosa e descontava suas raivas e traumas do passado em mim. Lembro quando ela soube que eu havia conhecido “Elano” e me alertou dos riscos que correria ao me relacionar com um homem vinte e seis anos mais velho que eu. Porém, como estava encantada, não ouvi os conselhos sábios de minha mãe e, mesmo assim, fui morar com ele.

Como tudo no começo são flores, ele criou minha filha junto comigo, como se fosse o pai biológico dela, dando o melhor que podia para nós.

Só que ele nunca a aceitou de verdade e, quando tínhamos alguma discussão, ele fazia questão de lançar em meu rosto: “A tua filha isso, a tua filha aquilo”. Tudo isso foi despertando nela um sentimento de rejeição por ele e minha filha sempre me questionava por que o sobrenome dela era diferente dos irmãos (eu tive dois filhos com ele).

Até que, em um belo dia, meu ex se revoltou comigo e expulsou minha pequena de casa, exigindo que ela fosse embora. Naquele momento, vi meu mundo cair, desmoronar. De pés e mãos atadas e cega de paixão por um homem covarde, cruel, frio e calculista, deixei minha filha ir embora e me arrependi de, naquele dia, não ter ido com ela.

Meu maior sofrimento começou a partir daquele dia, quando vi minha filha saindo por uma porta e eu não poder ir junto. Perdi os melhores momentos da vida dela e quase perdi minha filha para o mundo, mas, graças a Deus, Ele não permitiu isso.

Sofri muito longe de minha filha, mas nunca a abandonei. Sempre ia visitá-la e, quando dava, levava “as coisas” para ela. Apesar de tudo isso que passei, nunca perdi a fé e a esperança de um dia poder voltar a vivermos juntas e isso se concretizou, mesmo que por poucos anos.

Porque, hoje, ela vive com seu namorado, um rapaz trabalhador, honesto, um anjo que o Senhor preparou para a vida de minha filha. Um homem de verdade, diferentemente do homem que escolhi para viver e que me deixou feridas e traumas no profundo da minha alma, que somente Jesus pode curar.

Luz

(Diante de qualquer situação de violência doméstica, ligue 180, é a Central de Atendimento à Mulher, um serviço telefônico do governo federal que oferece acolhimento, orientação e informações sobre os direitos das mulheres, além de receber denúncias de violência contra a mulher) 

Mirelle Costa e Silva é jornalista, mestre em gestão de negócios e escritora. Atualmente é estrategista na área de comunicação e marketing

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