Com o título “A banalização da felicidade”, eis artigo de Zenilce Bruno, psicóloga e sexóloga.Um artigo dos mais interessants. Confira:
Todo ser humano quer ser feliz, “mesmo aquele que comete um suicídio”, dizia Pascal, e ao fazer isso ele pensa escapar de sua infelicidade. Esse é um movimento que comumente realizamos: o de escapar de estados internos em baixa, como a tristeza, a solidão, a falta, a angústia ou o desacerto. Imagina-se com isso exorcizar a infelicidade. A ideia é talvez a de que esses estados representam um fracasso, uma incompetência existencial, uma impossibilidade de se proporcionar bem-estar. Talvez fôssemos mais sábios se víssemos nesses estados, oportunidades de maior contato consigo, de revisões pessoais e de crescimento. Talvez sofrêssemos menos ao compreender que a vida é alternância de felicidade e dor, como faces da mesma medalha. Acolhendo essa condição mais difícil de suportar podemos até superá-la, transformá-la e nos transformarmos. Essa pode ser a atitude construtora de uma base sustentável para o verdadeiro bem-estar social.
Sonhamos com felicidade, de preferência absoluta, estonteante e definitiva. Mas isso é fantasia. É farra do imaginário de nossa sociedade espetacular, que propõe emoções extremas e rostos maquiados de alegria. Na verdade, não há mega felicidade, ela é um sentimento simples que anda mais perto da suavidade e da paz, que das conquistas ruidosas e extremadas de bens, cultos do corpo e de si mesmo. Felicidade é um sentimento interno, tranquilo, mesmo que algo externo o promova. Coisas pequenas, fatos simples, podem constituir motivos de felicidade se não ficarmos à cata de razões extraordinárias para ser feliz. Ouvir uma música, bater papo com um amigo, ver o nascer do sol, passar num concurso, partilhar o melhor da gente com alguém que se gosta, cuidar de uma planta, passear de mãos dadas, ler um bom livro, apaixonar-se por algo ou alguém, são situações geradoras de felicidade “dentro de si”.
A felicidade do consumismo, do álcool, das drogas e suas desmedidas, do acúmulo de bens, da liberdade irrestrita, das arrogâncias expostas, pode ser uma felicidade “fora de si”, que até dá uma euforia, mas nada deixa ecoando positivamente pela vida. Pode, ao contrário, deixar um vazio, quando não um arrependimento, uma ressaca física ou moral. O excesso é tão danoso quanto à falta. Nos transtornos da vida contemporânea, parece urgente uma atenção especial para onde podem nos levar os caminhos que estamos elegendo de busca de felicidade. Somente sendo feliz de verdade, a gente pode facilitar o bem-estar próprio e o dos outros. Do contrário, pode-se enveredar por descaminhos custosos a si e ao social. Caminhos que podem transtornar, enlouquecer, deixar fora de si.
Por que será que neste tempo de tantas possibilidades felizes, há também tanta depressão, medo, angústia, fobias, pânico, vazio? Que descaminhos em nossas vidas estarão produzindo esses sintomas? O homem contemporâneo, tornou-se um ser inquieto e assustado em seu modo de inventar-se um sujeito feliz.
*Zenilce Bruno,
Sexóloga.
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