“A sociedade misógina, dominada por homens, sempre fechou os olhos para o estupro”, aponta o escritor e químico Camilo Irineu Quartarollo. Confira:
As meninas chegam a uma clínica de aborto, por vezes fugida de casa, ainda com o corpo em formação – dela e do útero infantil, enfrentando as ameaças de morte do estuprador pai, tio ou irmão. Acrescente-se a isso a culpa e infâmia que lhe imputam, o que nos remete à passagem bíblica da primeira pedra contra a Pecadora. A primeira pedra, e ainda somente a primeira é esse maldito Projeto do Estupro, pois nem passou pelas comissões, ia direto para voto, condenando as meninas à pena de homicídio.
Escondido desse contexto ficou o estuprador, o qual se amoita no bando dos fiu-fiu, ostentando virilidade de poleiro ou de pais degenerados e defloradores da própria prole. Em geral, os estupros ocorrem mesmo no seio familiar, contra vulneráveis, conforme demonstram estudos estatísticos e acompanhamentos de profissionais. Ao passar pela rua, de vestido encurtado da gravidez precoce, de pernas à mostra, atraem olhares de repreensão ou mesmo insinuações dos bandos de machos afoitos. Refém do machismo, a menina pobre sofre a vergonha pelos impropérios das quadras a pé e de um projeto de Lei que corre a toque de caixa na Câmara dos deputados.
É notório o assédio, a falta de formação sexual, a predação pelos corpos numa sociedade enfermiça, preconceituosa. Há os influencers que recalcam o pior do machismo para ganhar mais curtidas. Esses não educam, não formam, nem questionam como fez Jesus diante do apedrejamento da Pecadora, eles recalcam o pior do bando.
Quando a relação é puramente de dominação macha, sem amor, o machista relega a mulher à coisa sua, de propriedade exclusiva como o carro, a casa, o iate. Quando ela sobressai com suas qualidades femininas quer de beleza, dotes intelectuais ou senhora de seu corpo e prazer, ele a teme. O macho temeroso não concebe a mulher como pessoa viva, considera-a sua e a quer coisificar, numa visão fetichista do mundo, “seu” mundo. Quão solitário deve ser, com um deus machista, à imagem e semelhança deles, com pedras na mão.
A sociedade misógina, dominada por homens, sempre fechou os olhos para o estupro e mesmo alguns setores das igrejas cristãs o querem sublimar (por um bem maior!) a prejuízo da mulher estuprada em seu útero infantil e de traumas por sua vida toda.
O deputado Sóstenes Cavalcante, da bancada evangélica, propôs o Projeto de Lei nº 1904, e com isso impõe à mulher pobre a pena de crime se abortar o filho ou filha do estuprador. Pois, dentro de 24 semanas, se o estuprador pai, tio ou irmão dela a ameaçar ou não permitir que faça aborto, ou, pela recusa ou protelação do ato médico exceder o prazo, a menina terá pena de até 20 anos de prisão por crime de homicídio!
No caso, o médico que recusou o ato cirúrgico e prevaricou pode pegar três meses a um ano de detenção e multa, se descoberto o estuprador pegaria de 6 a 10 anos, mas ela…
Camilo Irineu Quartarollo é autor de nove livros, químico, professor de química, com formação parcial em teologia e filosofia