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“A emoção em saber”

Ainda que não mais seja
Tuty Osório é jornalista e escritora

“Sentada em minha cadeira com cinto afivelado, sempre, saio do mundo durante o trajeto, invariavelmente”, aponta a jornalista e escritora Tuty Osório. Confira:

Desde pequena ouvia falar de aviões, de todos os portes. Bimotor, Monomotor, Boeing, Concord, Airbus. Alguns conheci, voei, recordando as palavras da descrição da decolagem, do pouso. Meu pai tinha teorias que talvez se baseassem em estudos e escutas de especialistas. A parte de trás é a mais segura. Decolar é mais perigoso que pousar. O pouso perfeito é o que não derrapa, não balança, toca o solo com a delicadeza de reger uma orquestra. Merece palmas. Os europeus aplaudem os pousos que julgam perfeitos.

Sempre que viajo estou como que abençoada desses pequenos conhecimentos sobre voar. São tantas viagens e sempre me comovo com a subida, a aterrizagem. Gosto de compreender, minimamente, o que se passa com aquela geringonça bisonha e ao mesmo tempo, elegante. Aquela máquina atapetada onde estamos como que enlatados a caminho de breves e relevantes destinos. Não é mais nada, é porque, de fato, tenho fascínio por aviões, viagens. Trens, carros e barcos, também. Todavia, cotovia, nenhum chega perto da doideira boa que é um avião.

Sentada em minha cadeira com cinto afivelado, sempre, saio do mundo durante o trajeto, invariavelmente. Assisto filmes, escuto música. Quando é inevitável, trabalho para aproveitar o tempo entre cidades. Já me salvei de prazos por ter 3 horas de céu a empatar-me a produção. Dedicada e correta, transformo-as em vantagem e escrevo, o computador como o melhor amigo. No primeiro aeroporto roteio a internet do celular e transmito o resultado. Sou uma criatura feliz quando sinto que cumpro um dever.

Em 2010 volteei num Caravan, a caminho de Juína, no Mato Grosso. É um parça de 7 lugares, voa baixinho, quase tocando a floresta. Chorei muito nessa aventura. Não de medo. De alegria. De gratidão por estar ali. Tema para outra crônica. Importante lembrar que meus romances com essas naves vêm de longe e já vararam trilhas. Não sou viajeira de pouca monta, embora adore um trajeto rápido, ligada à chegada num respiro. Fortaleza, Juazeiro do Norte. Fortaleza, Recife. Brasília, São Paulo. Brasília, Belo Horizonte. E a mais conhecida: Rio de Janeiro, São Paulo. Ponte aérea tem seu valor. E desafio cada qual que entrou num avião pela primeira vez, se não desejou voltar. E não ficou radiante, mesmo que secretamente, quando voltou.

Sou nômade da época do avião. Uma bela época, vestida de pressa no século XX e de leveza no XXI. Somos cúmplices em incentivar o relaxamento quando unidos no atravessar de um trecho. Há cada vez mais sorrisos, mãos pousadas nos ombros do vizinho de poltrona que se levanta aflito, braços estendidos a ajudar na retirada da bagagem. Cientes do doce risco que nos une, temos viajado mais solidários, menos mal humorados. Já não me dirijo ao embarque em tensão. Encaminho-me com calma, chego com muita antecedência para fruir de cada etapa.

Se me perguntarem, para onde vais? Direi, sem hesitar, que vou ao encontro de mim mesma.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS

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