“A história da eternidade” – Por Tuty Osório

Ainda que não mais seja
Tuty Osório é jornalista, publicitária e escritora

“A rigidez é inimiga da paz, do acolhimento, da sabedoria”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório

Confira:

A amiga Theodora anda sumida, novamente. De vez em quando dá para isso. Eu ando reclusa, diferente de desaparecer. Embora fosse uma ideia…Não posso. Ou não devo. Enfim, Theodora reapareceu num fim de tarde, num supermercado que costumo frequentar. Custei a reconhecer que era ela. Talvez por receio. A decepção seria imensa. Ando com temor de perder as pessoas. Mesmo sabendo que é impossível perder o que nunca se encontrou. Já os encontros verdadeiros, nunca se acabam. Não é que são eternos enquanto duram. Duram para sempre, mesmo. Tenho tido a expressão disso nas amigas de Brasília que não se adiam. Nas retomadas de convivência com gente do tempo da faculdade em Fortaleza. Nas conversas por whatsapp estendidas, com colegas da temporada universitária em Lisboa. Nas trocas de vivências com as queridas da adolescência no Colégio Santa Cecília – à luz da Teologia da Libertação e do tanto que me fiz humana.

Quando era criança ouvia os mais velhos dizerem: amizade é como café. Quando esfria, depois de requentada, jamais tem o mesmo gosto. Queriam dizer, eu acho, que a amizade não se recupera, uma vez perdida. Viver ensinou-me amarguras, delícias, turbulências, calmarias. Uma coisa que aprendi é que amizade que se perde nunca se teve. Que café pode ser requentado e fica diferente, porém, bom. É um mito essa parada que não se requenta café. Ainda mais ao preço que está! Que jeito, senão passar a gostar dele depois de esquentar… Amizade pode ser resgatada, ressignificada. Amigo que é amigo entende, aceita. Perdoar já é outro caso. Dependendo da ofensa, perdoar é difícil. Mente quem afirma que perdoa, que esquece. A gente mata aqueles momentos dentro da gente. Os ruins e os bons. Só que um pouco da gente morre junto.

É triste, mas é verdade. Eu sempre prefiro a verdade. Mesmo a que nos deixa mais sós. Sou de imensa compaixão, contudo, há limites que se impõem para a sobrevivência. Daí que é melhor que o café dure para sempre, em versões múltiplas. Que a amizade não nos abandone, em formatos diversos. A rigidez é inimiga da paz, do acolhimento, da sabedoria. Para viver bem, pouco e muito, é importante ousadia e cuidado, simultaneamente. Cuidado no sentido de prudência. Esse papo de cuidar é meio sem noção. É, totalmente, repetição da moda. Tem até a economia do bem estar, outro nome para cuidado, autocuidado, priorizar-se, enfim, destruir o que temos de interessante enquanto espécie – a capacidade de sentir, agir, seguir em coletivo. O individualismo neoliberal condenou-nos à solidão, na sua versão de abandono.

Eu, nas minhas andanças terrenas e celestes, durmo ao anoitecer e acordo antes do amanhecer. O barulho da cidade embala-me o início do sono. O silêncio da alvorada abraça-me a estreia no dia. Tenho a sorte de ter sempre alguém que ficou e me puxa pelo braço, dizendo-me que ainda está. Lembrando-me que ainda estou. Teodora agarrou-me as mãos, olhou-me longamente, não disse palavra. Tal qual Afonso, entre sair da minha vista e a ela voltar, não relatou nada sobre as aventuras do exílio. Amiga que é, simplesmente voltou e se instalou novamente em meu cotidiano. Não houve cortes, descontinuidades, esquecimentos, traições. Apenas a suavidade da porta que bate porque alguém entrou. Materializou-se após a ilusão do esconderijo. Não foi embora de fato. Uma abdução, quem sabe? Quase nada sabemos a respeito de mundos paralelos.

São os sonhos que nos comandam o trabalho e a fantasia. Está nos livros, Filmes. Mora na filosofia mais mesa de bar que existe. Naquele onde há quem ria de tuas piadas sem treino. Quem te escute sem mudar de assunto desprezando o teu tema. Esse te cutuca e cutucará, varando reencarnações.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais

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