“Uma boa gestão pública demanda competências básicas: capacidade de planejamento, organização, prioridade e eficiência do gasto público, além da capacidade de tomar decisões bem fundamentadas que deem respostas aos desafios sociais e econômicos da população”, aponta o ex-prefeito de Fortaleza e médico Roberto Cláudio. Confira:
Neste nosso primeiro editorial do Radar do Ceará, ressalto a importância de garantir o debate em torno de uma gestão pública de excelência para que governos consigam induzir ciclos sustentáveis de progresso e oportunidades para a sua população.
A qualidade e eficiência da administração pública precisa, para além de um fim em si mesmo, ser entendida como um meio essencial para o Estado cumprir bem as suas muitas responsabilidades.
Infelizmente, entendo que essa questão está sendo esquecida e muito mal tratada pelo Governo do Estado do Ceará atualmente. As consequências são múltiplas e bastante graves.
Uma boa gestão pública demanda competências básicas: capacidade de planejamento, organização, prioridade e eficiência do gasto público, além da capacidade de tomar decisões bem fundamentadas que deem respostas aos desafios sociais e econômicos da população!
Definitivamente, isso não aconteceu em 2023, o primeiro ano do novo governo, marcado infelizmente por desequilíbrio financeiro, retrocessos administrativos, inoperância e evidente incapacidade gerencial. Parte dessa história pode ser constatada ao examinar o demonstrativo da execução orçamentária do Governo no ano de 2023, PPA-Plano Plurianual aprovado, os números oficiais do Estado do Ceará durante 2023 e a agenda legislativa do Governo no último ano.
Vamos a alguns fatos:
1. As contas públicas do Governo pioraram muito em 2023.
O Ceará já terminou o ano em déficit orçamentário, no valor R$ 111 milhões. Há uma luz amarela piscando com muita intensidade, sinalizando uma crise financeira interna que deve se acentuar ao longo deste ano de 2024, pelo rápido e preocupante crescimento da curva dos gastos com pessoal e com terceirizações.
2. Ausência de um planejamento claro e engajador, como também de uma estratégia para o desenvolvimento econômico e social do Estado.
Não existem prioridades definidas e metas bem estabelecidas. Isso cria a sensação de um governo que reage ocasionalmente às crises da política e de comunicação, com notas oficiais e protocolos de intenção, mas que continua perdido em busca de uma agenda administrativa e de um projeto político que promova o efetivo desenvolvimento do Estado.
3. As questões sociais se agravaram!
Os dados da segurança pública voltaram a piorar muito, desde o segundo semestre de 2023, e o Governo tem perdido a batalha pelo domínio territorial das comunidades para as facções que tem, tragicamente, feito do Ceará um de seus endereços preferidos. Na saúde, a demora para o atendimento clínico e cirúrgico de pacientes, como também para o diagnóstico e tratamento de algumas doenças específicas como o câncer, especialmente no Interior do Estado, pioraram sensivelmente ao longo do último ano.
Além disso, Hospitais Regionais inaugurados recentemente continuam funcionando apenas parcialmente, com alas inteiras ainda fechadas, o que tem gerado mais frustração para pacientes do Interior do nosso Estado.
4. O Governo terminou o primeiro ano claramente apático, resignado com os problemas econômicos e com a agenda social muito negativa.
Numa síntese, considero um primeiro ano de governo muito fraco administrativamente, sem qualquer tipo de marca e o pior, fazendo muitas escolhas erradas como, por exemplo, o aumento de ICMS que começou a valer no início de 2024.
Além do aumento de ICMS, que já vai impactar em preços e no custo de vida das famílias, como também será um desestímulo para novos investimentos privados no Ceará, outras escolhas administrativas erradas também merecem destaque.
Ao longo do ano passado, foram criadas 17 novas secretarias, muitos novos cargos comissionados e foi aumentado em mais de 120% os custos de terceirização do Estado. Uma clara prioridade à acomodação de aliados políticos em cargos públicos em detrimento da estabilidade administrativa e financeira do Governo, causando um grave comprometimento da capacidade de investimentos públicos em obras de infraestrutura, na saúde, na segurança, na geração de empregos e em muitas outras ações sociais!
Tudo isso, minha gente, no primeiro ano de um governo, que é o tempo certo de plantar pra colher, tempo de organizar a casa e planejar o futuro. Infelizmente, não foi somente gasto excessivo em um momento equivocado, foi muito gasto errado, sem eficiência e sem chegar onde e a quem precisa, na ponta, onde está o povo que precisa de obras, de oportunidades ou de novos e melhores serviços públicos.
Por essa razão é que, também em 2023, o nosso PIB cearense cresceu apenas metade do crescimento do PIB do Brasil. Tivemos a pior performance da indústria em todo o País; geramos um saldo de empregos sensivelmente menor que o de 2022; vimos grandes e médias indústrias irem embora daqui do Ceará e os convênios do Governo com os municípios estão andando a passos de tartaruga, além de muitas obras públicas que estão paradas.
Fica a pergunta: E ainda tem solução?
Sim, há tempo ainda de mudar, neste início do segundo ano do Governo, para que haja uma mudança profunda de rumos. Mas é preciso primeiro abrir os olhos, com humildade, para a gravidade dos números oficiais do Governo e para as consequências muito negativas das decisões administrativas e políticas equivocadas que foram tomadas.
É necessário, também, mudar a cultura administrativa interna do atual governo, passando a valorizar o mérito, a boa técnica e os bons servidores, imunizando a estrutura da administração contra o comprometimento da qualidade e competência dos órgãos públicos que estão sendo entregues a aliados políticos que não tem compreensão e nem preparo para o exercício de suas funções públicas.
A falta de rigor administrativo e a politicagem, excessivamente imiscuídos na gestão pública , produzem ineficiências de várias naturezas para o Governo, corroem moralmente o Estado e, por fim, colocam sob risco o equilíbrio fiscal, elemento essencial para que o Governo do Estado tenha a confiança e a credibilidade para governar bem e para atrair novos investimentos para o Ceará!
O desafio de promover uma boa e competente gestão pública não é só um detalhe acessório na tarefa de governar mas, sim, é condição obrigatória para que o Ceará não “quebre” e leve junto, ladeira abaixo, a nossa autoestima e conquistas históricas e políticas públicas que demoraram décadas para se consolidarem aqui no Ceará.
É preciso que o governo entenda, com muita seriedade, o que está acontecendo. No caso, um grave retrocesso do Estado do Ceará, mas, em especial, o Governo precisa ser capaz de reagir com vontade, competência e à altura de tamanho desafio!!!
Roberto Cláudio é médico, ex-prefeito de Fortaleza e presidente do PDT de Fortaleza