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“A indigência em cartaz”

Djalma Pinto é advogado e especialista em Direito Eleitoral. Foto: Arquivo Pessoal

Com o título “A indigência em cartaz”, eis artigo de Djalma Pinto, advogado e mestre em Ciência Política. “De todas as pessoas, que exibem cartazes nas ruas, pedindo esmolas, ou implorando pela caridade de terceiros sem levantarem papeletas, quantas tiveram acesso à escola?”, expõe o articulista.

Confira:

Ruas repletas de pessoas, em silêncio, exibindo cartazes. É abril de 2024. A chuva oscilante não as intimida diante da necessidade de sobrevivência. Alguns são incisivos: “Estou com fome”! Papeletas menos enfáticas, são exibidas em cada sinal: “preciso de uma ajuda”! Em muitos quarteirões, a súplica se reitera. Os necessitados adultos perderam a esperança de sonhar. As crianças, que os acompanham, ainda podem ser salvas do destino amargo daqueles que as geraram. Na infância, todos humanos têm o seu futuro em aberto. Podem se tornar pacifistas, inovadores extremamente úteis à coletividade ou ameaçadores da sua tranquilidade. Como regra, ninguém nasce para ser delinquente. Na família, na qualidade da escola disponibilizada, enfim, nos exemplos legados pelos governantes, reside a base da prosperidade ou indigência.

No livro A Grande Saída, o escocês ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2015, Angus Deaton, escreveu: “Como em geral acontece, meu pai se empenhou para me proporcionar uma vida melhor que a dele. De algum modo, conseguiu persuadir meus professores a me darem aulas particulares, para que eu me preparasse para a prova que concederia bolsa numa prestigiosa escola de Edimburgo, e fui um dos dois alunos que entraram para estudar de graça naquele ano (a anuidade era mais alta que o salário do meu pai). Acabei indo estudar matemática em Cambridge e depois me tornei professor de economia, primeiro na Grã-Bretanha e mais tarde em Princeton, nos Estados Unidos. Minha irmã se formou na Escócia e se tornou professora. Dos meus doze primos, fomos os únicos a fazer curso superior, desnecessário dizer, é claro, que ninguém das gerações anteriores teve essa oportunidade.”

De todas as pessoas, que exibem cartazes nas ruas, pedindo esmolas, ou implorando pela caridade de terceiros sem levantarem papeletas, quantas tiveram acesso à escola? Por que não lhes foi assegurado o direito à educação? Quem deve assumir, perante esses indigentes, a responsabilidade pela negação desse direito fundamental e pela violação do direito natural de garantir-lhes acesso à dignidade humana?

Seguramente, todos os que exerceram o poder e desviaram dinheiro da educação, da merenda escolar, impedindo que a escola pública fosse acessível e atraente para todos, têm sua parcela significativa de culpa. São os mais perversos de sua geração. Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, acaba de ser aprovado um projeto de lei, elevando a pena para o crime de concussão para três a doze anos. Esse delito, tipificado no art. 316 do Código Penal, fica configurado quando o funcionário público exige vantagem indevida em razão da função que ocupa, por exemplo, quando cobra propina na aquisição de livros para a escola pública.

O número excessivo de carentes só agrava a percepção da desigualdade motivada, entre outras causas, pela ausência de escola de qualidade para todos. Afinal, sem saber ler e escrever, não é fácil para qualquer pessoa ascender socialmente e usufruir uma vida sem escassez de bens e recursos. Por isso, quem subtrai verba destinada à qualificação das crianças e dos jovens, cedo ou tarde, haverá de pagar, inclusive, perante o tribunal da própria consciência, pela obstrução do acesso ao direito à educação, causa por excelência do subdesenvolvimento humano.

Haverá demonstração mais patente do desapreço pela solidariedade do que um governante, em qualquer esfera do poder, ter plena ciência da importância da instrução para assegurar vida com abundância para o seu filho e não a disponibilizar, com a mesma eficiência, aos filhos dos menos afortunados?

Os cartazes, como atestado de indigência, só aumentarão, na medida em que não são disponibilizados aos mais pobres colégios de elevado padrão, com professores vocacionados, bem remunerados e com amor à causa do ensino para transmissão de saber e de valores.

*Djalma Pinto

Advogado, mestre em Ciência Política e autor de diversos livros, entre os quais Ética na Política, Cidade da Juventude e Distorções do Poder.

 

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