“Acertou quem seria o novo prefeito, o vereador mais votado da cidade, o campeão cearense. Jurou ainda que tinha visto sua cidade natal, Irauçuba, completamente alagada”, aponta o jornalista Paulo Rogério
Confira:
Que Nostradamus que nada. Quem acerta todas as previsões do futuro atende pelo nome de porteiro Sebastião, ou Bastião, como todos conhecem aqui pelo bairro. Se ele franzir a testa, colocar a mão no queixo, dar as duas tradicionais fungadas e falar algo do futuro, pode acreditar. Vai acontecer em breve. Tem sido assim desde que ele chegou no condomínio, há uns cinco anos, ainda nos terríveis dias da pandemia.
Bastião é um homem magro, de bigodes grisalhos e barba rala. Olhos sempre alertas, atento ao que acontece por perto. Chegou de forma tímida, sem querer muita conversa com a vizinhança. Limitava-se a papos básicos. Um bom dia aqui, uma boa tarde acolá. Nada muito além disso. Dentro de seu uniforme de blusa azul claro e calça preta, mantinha o porte altivo. Sujeito sério, sem muitas brincadeiras ou frases “frescas”, de duplo sentido.
– Bastião, essa marmita é para o Sr. Afonso lá do 304. Interfona aí para ele que não precisa ir comer fora hoje, avisou a fogosa Monique, a atendente do restaurante vizinho, esboçando um sorriso malicioso. Bastião fingiu que não entendeu a piadinha. Fez cara feia, pegou o pacote e optou pelo silêncio. Alertou o coroa e voltou aos seus afazeres.
Mas aos poucos, Bastião foi se soltando, e pelo seu jeito respeitador, fez amizades com quase todos. Seu dom de fazer previsões – e acertar – foi descoberto pelo velho Jair, dono da banca de produtos regionais instalada na calçada em frente. Acertou quem seria o novo prefeito, o vereador mais votado da cidade, o campeão cearense. Jurou ainda que tinha visto sua cidade natal, Irauçuba, completamente alagada.
Imagine, Irauçuba, um local conhecido pela secura da terra. Mas foi o que aconteceu em 2024. Naquele ano, Jair ganhou um bom dinheiro apostando nas previsões do profeta porteiro. E não é só acertando coisas grandiosas que nosso guru se destaca. Ele se dá melhor cravando o futuro de algumas pessoas da vizinhança.
– Olha, o casal daquele sobrado verde lá da esquina não resiste ao Carnaval. O alerta foi dado em novembro.
Pois não é que no domingo de Momo as malas do marido folião saíram voando pela janela, se estatelando no chão molhado. Não houve gritos, nem barulhos. Apenas se ouviu o eco do barulho do impacto da bagagem no asfalto: Puff!
Era o fim do casamento de 10 anos. Ponto para Bastião.
Em janeiro agora, Bastião chegou cabisbaixo, mais sério do que de costume.
– O que houve, meu profeta? Perguntei, curioso como sempre.
– Sonhei um negócio diferente. Vi um sujeito careca enganando muita gente e ficando com dinheiro. Mas não estava só. Tinha outros ao seu lado. E tudo acabava em prisão.
Meses depois veio a notícia de um tal Careca do INSS.
Para 2026 Bastião já teve que fez algumas previsões. Sem búzios, bacias com água, cartas ou mandingas. Apenas mantendo aquele olhar distante, a velha mão no queixo e a voz embargada. O Ferroviário será campeão cearense, teremos eleições calmas, sem polarizações da direita e da esquerda, os golpes via telefone celular sumirão. Ali pela redondeza ele garante que Monique vai, finalmente, se casar; que a banca reabrirá, agora vendendo jornais, revistas e livros, e o cara do sobrado da esquina vai voltar para a eterna amada.
Acho que Bastião perdeu seus poderes…
Paulo Rogério (paulorogerio42@gmail.com) é jornalista