“Não cabe mais o discurso de que segurança pública é responsabilidade apenas dos governos estaduais ou do governo federal”, aponta em carta aberta a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Regional Nordeste I.
Confira:
Após a realização do encontro ocorrido na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – Regional Nordeste I, Ceará – na manhã de 16 de agosto de 2024, tornou-se de interesse comum à elaboração e publicação do presente documento. Neste encontro estiveram presentes representantes da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (Regional Nordeste I); representante da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará; representante do Comitê de Prevenção e Combate à Violência; representante Escritório Frei Tito de Alencar; representantes da Arquidiocese de Fortaleza (constando da presença do Arcebispo Dom Gregório); representantes das pastorais, movimentos e organismos sociais; representantes da Companhia Filhas da Caridade; representante do grupo Mulheres do Brasil, representante da Rede Jubileu Sul e representante do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.
Tendo em vista que se iniciou no mesmo dia, 16 de agosto de 2024, o período de campanha eleitoral para prefeitos e prefeitas, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Regional Nordeste I, vem, por meio desta carta aberta a candidatos e candidatas a prefeituras no Estado, destacar o papel dos municípios na prevenção à violência.
É fato que segurança pública é um tema frequente nas eleições municipais pelo país e não é de hoje. O mesmo acontece aqui no Ceará, em boa parte dos 184 municípios. Portanto, não cabe mais o discurso de que segurança pública é responsabilidade apenas dos governos estaduais ou do governo federal. Gestores e gestoras municipais podem fazer muito ao trabalhar no contexto preventivo da violência.
Justamente por tratar-se de prevenção à violência, não nos referimos apenas às ações policiais e de justiça. A agenda nos municípios vai além das ações de segurança pública, elas precisam estar articuladas com outras políticas, que possam reduzir as vulnerabilidades e os riscos de homicídios dos adolescentes e jovens mais suscetíveis à violência armada.
Assim, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz convida candidatos e candidatas a refletirem, a partir da composição de seus planos de governo, sobre a necessidade de ações mais efetivas no cuidado psicossocial às vítimas diretas e indiretas, na redução das desigualdades e na atenção aos territórios mais vulneráveis das cidades. É a partir da compreensão da dinâmica dos territórios que governos municipais podem gerar ações assertivas para alcançarmos resultados contundentes na prevenção dos homicídios.
Para o desenvolvimento dessas propostas nos baseamos em estudos desenvolvidos pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará, além das demandas recebidas pelas pastorais sociais e dos movimentos sociais. Abaixo, algumas recomendações de prevenir a violência letal contra adolescentes e jovens:
- Desenvolvimento de boletim epidemiológico – Os municípios por meio das Secretarias Municipais de Saúde podem realizar uma análise espacial (georreferenciamento) dos homicídios de adolescentes e jovens baseada nos endereços das vítimas, para planejar ações nos territórios mais vulneráveis.
- Protocolo de apoio e proteção intersetorial as famílias de vítimas de violência armada – A produção desse protocolo orientará uma ação intersetorial no município para atender as famílias de vítimas de homicídios. A busca ativa dos familiares pode ser realizada por equipe das políticas de saúde e assistência social. Essa ação visa identificar as demandas de vulnerabilidades e de riscos das famílias que já sofreram com a violência, para prevenir que outras violências ocorram naquele núcleo familiar.
- Criação de programa de prevenção à violência – Os municípios podem desenvolver, em parceria com governos estadual e federal, programas com foco em adolescentes mais vulneráveis aos homicídios, ou seja, aqueles que estão fora da escola, cumpriram medida socioeducativas ou vivem em territórios com muita incidência de homicídios.
- Crianças e jovens nas escolas. Ambientes escolares acolhedores são espaços de proteção para crianças e adolescentes e os municípios devem ajudar a reduzir a evasão escolar. Para isso, é importante investir na busca ativa para trazer para as escolas crianças e jovens que estejam sem acesso ao direito básico da educação. Pois acreditamos que não basta ir à escola. É preciso a garantia e manutenção de um processo de alfabetização completo, assim como uma progressão em um ambiente escolar competente, saudável. Identifica-se que tudo isso perpassa pela qualificação curricular, opções de livros e material amplo, objetivo, consciente e consistente. Manter nossas crianças e jovens nas escolas não pode está dissociado de um adequado e regular ambiente familiar, de autêntico ninho de desenvolvimento social, que por sua vez, requer elaboração de estratégias, projeto de vida, programas formativos e
mudança sistêmica das estruturas e das bases. - Oportunidades para a juventude. A oportunidade de formação e inserção profissional com renda é fundamental para diminuição do ingresso de adolescentes em grupos armados.
- Saúde sexual. Expandir e aprimorar programas de prevenção e orientação sobre gravidez na adolescência e desenvolvimento de capacidades parentais, em especial de pais jovens.
- Cultura e lazer. Espaços para promoção de lazer e cultura para jovens, sobretudo em áreas com altos índices de violência, são relevantes por abrirem oportunidades longe do crime. Manter bibliotecas, centros esportivos e culturais são boas práticas.
- Ambiente urbano. Criar e manter infraestruturas de mobiliário urbano amigáveis como parques, largos e praças estimula a vivência pacífica nos territórios. Iluminação pública e limpeza de terrenos são importantes para a segurança.
- Mobilidade nas cidades. Pensar a forma como as pessoas se locomovem nos municípios, por meio de sistemas de transporte público, é importante também para a sensação de segurança da juventude e das famílias de modo geral.
- Guarda municipal capacitada. As guardas municipais precisam ser treinadas para atendimento aos cidadãos e ter capacidade para mediar conflitos. Precisam, em pleno alinhamento com gestores e gestoras municipais, respeitar o Estatuto da Criança e do Adolescente, além do Estatuto da Juventude.
- Oportunidades pós-medida socioeducativa. Aprimorar serviços de acompanhamento de medidas socioeducativas em meio aberto, de liberdade assistida e/ou prestação de serviços à comunidade, meio do fortalecimento dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), com vistas a garantir oportunidades para adolescentes na pós-media.
- Boa comunicação. Manter transparência, clareza e constância na comunicação das estratégias voltadas para a prevenção à violência, para que adolescentes e jovens tenham acesso facilitado às políticas públicas.
Por fim, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (em parceria e apoio com a Arquidiocese de Fortaleza, de diversas pastorais, movimentos, grupos e demais organizações listadas no final deste documento) deseja boa sorte aos candidatos e candidatas e se coloca à disposição dos futuros prefeitos e prefeitas para somar em tecnologias sociais para a prevenção – e redução – da violência no Ceará.
Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Regional Nordeste I