“A cultura brasileira no que ela tem de mais mesquinho e discriminatório impõe e designa o papel dos velhos na sociedade”, aponta o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto. Confira:
[Lições de pessimismo para conviver com otimistas inveterados e sobreviver aos seus encantos]
Não é por culpa minha, mas com a idade que alcancei, em um país como o Brasil, como manter aos 88 anos — o otimismo?
De um modo geral, os céticos e/ou pessimistas são mal vistos pelos otimistas.
Essa relação ambígua e regada de intolerância, na política, só serve para os interesses da oposição. A gente do governo explode de otimismo e de afoitas esperanças— afinal, não estão gerindo a sua fazenda, gastam as nossas economias, recolhidas patrioticamente pelo fisco. Mas têm interesses a defender nesse empreendimento republicano rentável.
Os políticos são, consideradas as especificidades dos seus encargos, os empreendedores do Estado, empresários “públicos”, alma e cabeça desse conglomerado que associa as facilidades oferecidas pelo poder público e a esperteza de setores comissionados da atividade privada.
Com a idade preclara dos meus 88 anos, tendo reunido, por confessada incompetência, um patrimônio medíocre — salvo os livros amealhados, posto em risco pelo ônus das demandas da sobrevivência e de algumas disfunções genéticas onerosas —, enxergo os meus cacoetes de macróbio aposentado como indícios de uma anarquismo tardio.
Carecido dos afagos da fé e das leituras piedosas, esquecidas em idade juvenil, encontro-me em uma encruzilhada confusa. Ou bem, converto-me ao otimismo, como o fazem as criaturas de juízo, ou amplio os meus créditos de velho ranzinza, pessimista assumido.
Amigos mais experientes — tenho-os a dobrar o novent’anos, creiam-me — advertem-me que teria eu melhores alternativas, e mais adequadas, para uma inserção ideológica nos beirais da esquerda ou da direita.
Assustei-me:
“ — Será uma pegadinha ? Tomar-me-ão por revolucionário ou suspeito pelos atos de 8 de janeiro?…”
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Não posso esconder as minhas preferências pela doce catequese de Zélia (morram de inveja, Jorge Amado aceitava que Zuleide e eu a tratássemos com essa intimidade) em seu livro de memórias de ativista inteligente e bem comportada — “Anarquistas, graças a Deus”.
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“ — Antes, ser anarquista, na acepção de origem, sob a égide de Malatesta e Fanelli”, pensei com os meus botões.
Tendia eu para os “ilegalistas”, no desvio do “anarquismo individualista”…Melhor do que comunista ou progressista, como passariam a chamar-se as crianças de Lenin. Confesso que, até hoje, hesito em distinguir essas marcas de “terroir”, a exemplo das exigências dos vinhos da Toscana.
De anarquista envergonhado, estágio alcançado nestes anos de COVID republicano, a pessimista, optei pelo substantivo, transformado em adjetivo injurioso e suspeito.
Mas aos 88 anos, já somos outra pessoa. A cultura brasileira no que ela tem de mais mesquinho e discriminatório impõe e designa o papel dos velhos na sociedade:
“O ‘seu’ Paulo está ainda com a letrinha boa…”, comenta a funcionária do Banco ao receber por escrito a minha confissão de estar vivo para continuar a receber a aposentadoria.
“Ainda dirigindo?”, ri com ar de censura o filho de uma amiga sexagenária ao me ver aboletado no meu carro agarrado ao volante.
E o meu nefrologista carioca para dar um empurrãozinho na conversa, no começo de uma consulta de revisão:
“Como encara, na sua idade, os desafios da finitude?”
Ou o clínico-oncologista abrindo com certo enfado os envelopes de imagens, radiografias, tomografias e laudos afins, com aquela naturalidade de caçador de linfomas:
“— Para a sua idade, está bem,,,”
Pois bem. Assumo o meu pessimismo ancestral ( não sou, aliás, o único caso na família!). Se a lei permitir e não houver daqui para lá uma emenda constitucional monocrática de emergência, pretendo que tratem como um cadeirante pessimista. É meu direito.
Quos Jupiter vult perdere, dementat prius.
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC
Respostas de 2
Um dos mais sinceros e lúcidos comentários sobre nosso INVERNO EXISTENCIAL!
Gostei por demais… talvez por me ver no mesmo caminho, à altura dos meus 81, dos quais 22 vividos em Fortaleza, minha Terra Natal, onde graduei-me em Agronomia pela UFC, em 1965. Os outros 59 em Santa Catarina, com minha Família
Em Santa Catarina atuei por 34 anos na ACARESC, Serviço de Extensão Rural, e outros 34 no Centro de Ciências Agrárias da UFC.