O jornalista Flamínio Araripe antecipa nesta resenha o conteúdo do livro que concluiu neste ano, a ser publicado em 2025. Na obra, reproduz as crônicas de seu pai, Jósio de Alencar Araripe. Resgata o cenário político do Crato nos anos 60 e 70 na voz de protagonistas da resistência à ditadura militar numa cidade dominada pelas elites conservadoras. “Crônicas no rádio desafiam a censura do regime militar e criticam elite conservadora do Crato – A Palavra sem Medo, com prefácio de Carlos Rafael Dias, contém depoimentos de Antônio Vicelmo, Eudoro Santana, Tiago Araripe, Emerson Monteiro, Samuel Araripe, Rosemberg Cariry e Alemberg Quindins, dentre outros.
Confira:
O livro A Palavra sem Medo – Crônicas e artigos de Jósio de Alencar Araripe é um relato da história política do Crato nos anos 60 e 70 e da utilização da comunicação – o rádio como veículo de conscientização -, com um discurso de abordagem técnica e investidura moral que explorava as brechas da censura à imprensa então vigente. As crônicas eram escritas por Jósio de Alencar Araripe e lidas pelo jornalista Antônio Vicelmo, que
retrata em seu depoimento o jogo de pressões contra a tendência liberal da Diocese do Crato, mantenedora da emissora. O radialista dá um testemunho sobre a reação da elite do Crato ao grupo político que mantinha vivo o ideal do programa de rádio e procurava trabalhar a opinião pública para as próximas eleições, quando postulava mandatos de vereador, prefeito, vice-prefeito, deputado estadual e deputado federal.
Jósio de Alencar Araripe, fundador e presidente do MDB no Crato, fazia uma oposição do tipo David contra Golias, uma peleja a cada eleição para eleger um vereador, quando muito. As crônicas, muito bem escritas, fazem uma crítica embasada em fatos e demonstram um amor ao Crato, pelo bem público, expressão da vontade política. O conhecimento técnico é a base de alguns temas abordados pelo cronista ao trazer à agenda a discussão de um plano diretor de ordenamento urbanístico do Crato e um plano de desenvolvimento para o município. São propostas de planejamento não consideradas pela política local, fincada nos interesses imediatos dos conchavos pessoais e da manutenção do poder.
A crítica à administração municipal e à representação política do Crato tem presença central nas crônicas. Os dados são colocados de forma equilibrada pelo advogado formado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), com uma bagagem de muita leitura e reflexão. Muitas propostas com substância caracterizavam a sua maneira de não apenas criticar ou apontar as mazelas da política local, mas sempre fazer um apelo à consciência. Numa época em que o tema da ecologia não era corrente e a legislação federal na área não estava posta, o cronista denuncia a retirada de pedras do rio Granjeiro, que facilitaram o assoreamento do manancial. Aponta violações a preceitos e agressões à ecologia, desmatamento na Floresta Nacional do Araripe e encostas, em épocas mais recentes ainda observados nas vizinhanças do sítio Fábrica, que implantou no distrito de Santa
Fé. As potencialidades inexploradas na economia do Crato e do Cariri são colocadas nas crônicas para resgate como alternativa regional, que ele acreditava ser também caminho para viabilizar, com superávit, o desenvolvimento do Ceará. As oportunidades da irrigação, agropecuária, do turismo e industrialização são apontadas, assim como a necessidade de infraestrutura – sobretudo de estradas – e educação.
Jósio de Alencar Araripe foi um dos consultores do Estudo Socioeconômico sobre a Microrregião do Cariri, realizado em 1970 pe la Sudene e coordenado pelo economista José de Freitas Uchoa, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza. Participou da definição das características básicas da região do ponto de vista econômico, social e político. Um exemplo pode ser ilustrativo do clima político, à época. Diante do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco – o primeiro presidente a visitar o Crato, quase 90 dias depois do golpe militar de 1964 -, o monsenhor Rubens Lóssio saudou o regime que “infringiu a maior derrota ao Comunismo Internacional”. O padre concitou o Exército a “cerrar fileira numa cruzada pela descomunização do país”. O ardor anti-comunista do discurso do monsenhor era o mesmo que destilava nos sermões como vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Penha diante da elite conservadora do Crato, contra o “perigo do comunismo” – como ele denominava os políticos da oposição, do MDB – nas eleições municipais e estaduais. Este era o ambiente político do Crato reconstituído no livro, que tem como eixo o programa de rádio de mesmo nome na Rádio Educadora do Cariri. O conteúdo das crônicas visava s ensibilizar a opinião pública com a crítica ao governo local. Em paralelo, avançavam as articulações do MDB para enfrentar nas urnas o poder hegemônico da Arena.
O livro tem prefácio do historiador Carlos Rafael Dias, depoimentos do jornalista Antônio Vicelmo, cineasta Rosemberg Cariry, do jornalista e escritor Emerson Monteiro, do engenheiro Eudoro Santana, do tabelião e ex-prefeito do Crato, Samuel Araripe e do produtor rural Alberto Jamacaru. Também traz o testemunho afetivo da memória do pai, em depoimentos dos filhos Tiago, publicitário e compositor; Zínia, jornalista; Leonel, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC); Donita, agrônoma e Flamínio, jornalista e de dois irmãos do cronista, ambos advogados, Jales de Alencar Araripe e Moema de Alencar Araripe.
*O autor, Flamínio Araripe, é jornalista. Em Fortaleza, foi correspondente do Jornal do Brasil, editor de Cidade no O Povo, editor de Economia no Diário do Nordeste, correspondente no Nordeste do Jornal da Ciência, da SBPC; editou as revistas Ciência, Tecnologia & Inovação e Educação Profissional, dos Institutos Federais de Educação do Nordeste na Editora Nordeste Vinte e Um. No Acre, foi correspondente da Agência Folha, editor do jornal Repiquete, e trabalhou na imprensa local. Em São Paulo, trabalhou nos jornais Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e revista Planeta.
DETALHE – O livro será publicado tão logo seja concluída a captação de recursos por plataforma de crowfunding (financiamento coletivo) e antecipa a comemoração em 2025 do Centenário de Jósio de Alencar Araripe, autor das crônicas e artigos reunidos nesta obra.