O jornalista e poeta Barros Alves nos traz a histórias dos Reis Magos. Confira:
Alban Buttler (A VIDA DOS SANTOS) nos chama a atenção para a importância da festa epifânica dos Santos Reis no calendário cristão, tanto do Ocidente como do Oriente. A primeira epifania (manifestação, revelação, aparecimento) de Deus em Jesus Cristo ocorreu quando os “reis” Magos do Oriente, que não sabemos se sacerdotes persas ou babilônicos, mas com certeza uma representação do mundo inteiro naquela época, prostraram-se diante do Deus-menino a quem levaram simbólicos presentes: ouro (natureza real, presente dado aos reis), incenso ou olíbano (natureza divina, empregado nos cultos) e mirra (sacrifício, evoca a morte futura). Supõem alguns historiadores que eram árabes em razão dos presentes; outros preferem a hipótese de que eram astrólogos da Babilônia conhecedores do messianismo judaico. Segundo a tradição chamavam-se Melchior, do hebraico melech-or – rei da plena luz; Baltazar, do assírio baal-otsar – senhor do tesouro, da vida; e Gaspar, do sânscrito gisbar, tesoureiro, inspetor – rei do diadema. Melchior seria rei da Núbia (Arábia); Baltazar, rei da Etiópia; Gaspar, rei de Tarso. Lembre-se que apenas o Evangelho de São Mateus se refere ao episódio sem citar a quantidade de reis, o que se depreende serem três em razão dos presentes. Sem esquecer que a tradição esteve presente em todo o período do cristianismo primitivo, mas apenas no século III é que as personagens passaram a ser tratadas como reis, certamente numa referência ao cumprimento das Escrituras: “Todos os reis cairão diante dele.” (Salmos 72).
Recolhemos em Buttler a informação de que a mais antiga menção de uma celebração cristã a 6 de janeiro parece ocorrer no STROMATA, uma trilogia escrita por Clemente de Alexandria, Pai da Igreja, que morreu por volta do ano 216. Só que a epifania não era a manifestação aos magos do Oriente, mas comemoravam o nascimento e batismo do nosso Salvador, com grande solenidade, em datas que ele supunha corresponderem aos dias 6 e 10 de janeiro. Com efeito, durante os dois primeiros séculos a principal festa epifânica entre os cristãos orientais ocorria no 6 de janeiro, mas sempre estreitamente associada ao nascimento de Nosso Senhor. Isto significa dizer que enquanto o Ocidente celebrava o Natal a 25 de dezembro, o Oriente o fazia em 6 de janeiro. E continua a fazê-lo, uma vez que as Igrejas Ortodoxas celebram o nascimento do Salvador em data do calendário juliano, assim chamado por ter sido instituído pelo Imperador Júlio César no ano 45 a.C. Importa observar que a Igreja Católica usa o calendário gregoriano, proposto pelo Papa Gregório na Bula “Inter Gravíssimas”, onde o dia 25 de dezembro corresponde ao 6 de janeiro do calendário juliano. Uma ilação: o 6 de janeiro, como outras datas do calendário religioso, obedece a uma formalidade, uma escolha arbitrária. Impossível que uma expedição saindo da Arábia, viajando em lombo de camelo, chegasse à Belém da Judeia em apenas 15 dias.
São Jerônimo informa que, com exceção de Jerusalém, a celebração do nascimento de Jesus Cristo era realizada juntamente com a epifania dos Magos na mesma data, 6 de janeiro. E que “o costume ocidental de honrar o nascimento do nosso Salvador separadamente em 25 de dezembro entrou em voga no século IV, e expandiu-se rapidamente de Roma para todo o Ocidente cristão.” Essa constatação demonstra a ascendência que a Igreja de Roma e, consequentemente, o bispo de Roma, cognominado Papa, têm sobre as demais igrejas cristãs desde o primeiro momento do Cristianismo. É um fenômeno histórico-sociológico, mas não se pode abstrair o lado transcendente do fato, até porque “até um fio de cabelo que cai de tua cabeça é porque Deus assim o permite.” Os Pais da Igreja nascente São João Crisóstomo, São Gregório de Nissa e São Basílio, entre outros, também dão conta dessa divisão de datas para comemoração do nascimento e da epifania aos Magos.
O protestantismo evangélico perdeu (abandonou seria o termo mais apropriado), a partir de Calvino, muito da substância estética que enfeita a religiosidade do povo. Então, não valoriza festas como a dos Reis por pertencerem ao calendário católico, mesmo sendo uma festa que remonta aos primórdios do Cristianismo. Por outro lado, a modernidade que tem reflexos deletérios e iconoclastas no seio da própria Igreja Católica contribuiu para que a festa dos Santos Reis não passe dos limites da liturgia diária nos templos católicos. Todavia, no catolicismo popular, que ainda mantém importantes aspectos estéticos na liturgia de suas comemorações, o Dia dos Santos Reis é comemorado em várias partes do Brasil com celebrações, procissões e danças, sem esquecer a queima das lapinhas e presépios como simbolismo do fim do ciclo natalino. Não esqueçamos das tradicionais Folias de Reis, também chamadas os Santos Reis e Reisados, que ocorrem em vários locais desse imenso Brasil. Originárias de Portugal popularizou-se entre nós, principalmente nas zonas rurais. Essa manifestação folclórico-religiosa de rara beleza, repleta de sonoridade, gestuais e cores, as conhecemos com as peculiaridades da de nossa religiosidade popular a partir do século XVIII. Mas, infelizmente, até como festa folclórica tem decaído nos últimos 30 anos.
A convivência dos brasileiros com os Reis Magos, depois do relato bíblico a ser apropriado por todos, vem desde os tempos do descobrimento. Já em 1501 a expedição de Gonçalo Coelho, seguindo o costume da época, batizou acidentes geográficos com nomes que compõem o calendário cristão, em especial os santos do dia. Eis porque no Rio de Janeiro (São Sebastião do Rio de Janeiro) temos Angra dos Reis numa referência aos Reis Magos. Em Natal, capital do Rio Grande do Norte do Norte, a veneração é atestada não apenas com um belo monumento aos Reis Magos, mas, sobretudo, com a imponente Fortaleza dos Reis Magos, para onde D. José I, Rei de Portugal, destinou em 1752, as imagens para a Capela dos Reis Magos. Definitivamente, os Santos Reis estão presentes na história do povo brasileiro.
Barros Alves é jornalista e poeta
Ver comentários (3)
Digno de.elogios, já não lembrava da história bíblica, com tanta clareza e ilustrações, do grande escritor que, tive o prazer de conhecer quando estava no Ceará e sempre em companhia do amigo Carlos Botelho👏👏👏
A folia de Reis, uma tradição que eu lembro desde criança, principalmente no interior, está cada vez mais silenciosa passando despercebida ou sem festividade alguma. O senso de manter as tradições está inro a termo final com essas.gerações da década de 90 pra cá, sem.ideias culturais, sem tradicionalismo. O que importa é desvirtuar o que é religioso, o que tradição entre os menos jovens. Enfim, estamos em extinção sem perspectivas de deixar o legado das tradições culturais.
Barros Alves que texto maravilhoso. Os meus alunos adoram lê - lo