“O enfrentamento do crime organizado é complexo, e nenhum governo estadual, sozinho, poderá lograr êxito, sem que se organize, também, articulando-se com o governo federal”, aponta a socióloga Fátima Vilanova. Confira:
O tema da segurança pública tem elegido muita gente. A cada eleição, seja no âmbito dos municípios, dos estados e federal, agentes de segurança pública têm marcado presença na propaganda eleitoral. Os candidatos ao Executivo abraçam a bandeira da segurança pública como carro-chefe. Todos dizem que sabem o que fazer.
A eleição passa, os eleitos assumem, e nada acontece para livrar a sociedade brasileira da tragédia do crime organizado, das facções criminosas, das milícias, pois os ocupantes dos mandatos guardam os discursos e os propósitos de combatê-los até a próxima eleição. Enquanto isso, os negócios criminosos prosperam, já viraram franquia em todo o território nacional, com conexões no plano internacional.
Minha tese é que o básico, o elementar, para desmantelar as organizações criminosas é minar os apoios com os quais elas contam, para enraizar-se no tecido social e para lavar o dinheiro. Para enfrentar esta realidade, só com trabalho de inteligência, investimento e treinamento dos agentes de segurança, remanejamento de policiais e de gestores prisionais, pente-fino no crescimento patrimonial dos evolvidos no combate ao crime, e dos que ganham dinheiro lavando dinheiro para os criminosos, e banco de informações compartilhado.
É preciso, também, fazer as perguntas básicas no enfrentamento da criminalidade: como entram as armas e drogas no Brasil, e como se disseminam em todo o território nacional, nos estados, nos municípios, Distrito Federal? Quem facilita a entrada, quem deixa de atuar como deveria? Onde estão as conexões apoiadoras do crime, dentro e fora do Brasil, em portos, aeroportos, rodovias terrestres e aquáticas, no setor público e no setor privado? A inteligência deve concentrar-se em responder estas questões.
A pesquisa, Segurança Pública e Crime Organizado no Brasil, realizada pela Esfera Brasil (2024), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, identificou 21 atividades legais e ilegais com movimentação lícita de recursos, que passa por regiões brasileiras, com possível origem em países da América do Sul, América do Norte, Europa, Ásia, África e Oceania. O faturamento do crime é estimado em R$335 bilhões, apenas com o fluxo ilegal de cocaína no Brasil, cerca de 4% do PIB. As atividades lícitas, que lavam o dinheiro, envolveriam poderosos setores da economia, como mineração, mercado mobiliário, mercado de combustíveis e transporte público.
Como se pode deduzir, o enfrentamento do crime organizado é complexo, e nenhum governo estadual, sozinho, poderá lograr êxito, sem que se organize, também, articulando-se com o governo federal. A pesquisa propõe que sejam envolvidos nesta guerra, o Ministério da Justiça, Fazenda, Casa Civil, Controladoria-Geral da União e Advocacia-Geral da União, gabinete que coordenaria e compartilharia informações e providências com os estados. Eu acrescento, também, com os municípios.
O que fica claro com o fortalecimento das organizações criminosas é que, até agora, a segurança pública foi tratada com desleixo, com improvisação, e muita demagogia, por sucessivos governos. O problema é que tratar a questão da segurança com responsabilidade e compromisso demanda muito trabalho, e principalmente, romper a cultura do “não é comigo’, de cada um trabalhando no seu quadrado, sem comunicação. Fazer o que tem que ser feito é mexer num vespeiro, que vai tirar dinheiro e poder de muita gente. É revolver uma caixa de maribondo. Mas tem que ser feito, e é para ontem. A pesquisa apontou os caminhos, agora é tirar do papel.
Fátima Vilanova é Doutora em Sociologia
Ver comentários (4)
Parabéns, Fátima! Sua abordagem focaliza tofos os bordos que envolvem o complexo problema numa análise que guarda correspondência com a realidade ao tempo em que apresenta sugestões ao Poder Publico.
"Mexer num vespeiro", essa é a grande questão. Quem se habilita? A insegurança pública cresce a cada dia, a população cada vez mais vulnerável e desprotegida. As propostas apresentadas nos palanques durante às campanhas políticas caíram em descrédito, uma verdadeira hipocrisia.
É lamentável perder a esperança por dias melhores. O tal lugar bonito e tranquilo pra gente morar só existe nos contos da carochinha. Que pena!!
Excelente análise! Enriquece o debate,
mostra soluções….
Espero que alguma autoridade veja esta aula! E ponha em prática!
Faz a diferença!👏👏👏👏
Parabéns pelo artigo! O tema é polêmico e complexo... Mexer nesse vespeiro... Vai exigir um grande esforço nacional.