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“Linguagem neutra, estados e municípios: o que decidiu o STF?” – Por Sara York

Sara York é jornalista e professora

“Em uma decisão histórica, o STF declarou inconstitucionais as leis de cidades do RS e de MG que proibiam o uso e o ensino da linguagem neutra em escolas”, aponta a jornalista Sara York

Confira:

Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as leis de cidades do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que proibiam o uso e o ensino da linguagem neutra em escolas. Na prática, essas leis deixam de ter validade.

Mas o que está em jogo aqui vai muito além da gramática. Trata-se de um debate sobre quem tem o poder de decidir os rumos da educação, sobre quais corpos e identidades são reconhecidos no espaço escolar — e, em última instância, sobre o próprio papel da linguagem na construção de um país plural.

O que é linguagem neutra?
A linguagem neutra propõe alternativas aos termos com marcação de gênero, como “ele” ou “ela”, buscando formas mais inclusivas para abarcar identidades não-binárias e dissidentes do sistema cisnormativo. Termos como elu, delu ou ile/dile (como defende Pri Bellucci, ativista trans fundador da Marcha Trans de São Paulo)amigue e todes são exemplos de estratégias linguísticas que desafiam a rigidez binária da língua portuguesa.

Por que o STF interveio?
Segundo o ministro André Mendonça, relator da ação, estados e municípios não têm competência para legislar sobre diretrizes curriculares ou sobre a norma culta da língua portuguesa — tarefa que cabe à União. Para ele, ao proibirem o uso de linguagem neutra, essas leis municipais e estaduais extrapolam sua autoridade e violam princípios constitucionais.

A maioria dos ministros acompanhou esse entendimento. Mesmo os que divergem, como Cristiano Zanin e Nunes Marques, admitiram que o ensino da língua deve observar as diretrizes do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), reconhecendo assim os limites locais sobre a matéria.

Mais do que norma: o direito à existência

A decisão do STF tem implicações que ultrapassam o campo jurídico. Ela toca diretamente a autonomia docente, a liberdade de cátedra e o direito de estudantes trans e não-bináries de se verem representades na escola.

Para o professor Rodrigo Borba, da UFRJ, especialista em linguística queer, a decisão “tem relevância jurídica, pedagógica e ética e, por isso, deve ser celebrada”. Ele afirma que o STF, ao reafirmar que apenas a União pode definir diretrizes curriculares, protege “o direito de professores e professoras de mediar criticamente conteúdos linguísticos em sala de aula sem coerções locais ou ideológicas”.

Borba destaca ainda que o ensino da língua “vai além da simples reprodução da norma culta” e envolve refletir sobre variações, usos sociais e transformações em curso — entre elas, “os modos de nomear e incluir corpos dissidentes”. A linguagem neutra, diz ele, “não é imposição, mas possibilidade de ampliação da escuta, da presença e da dignidade de estudantes trans”.

Do ponto de vista ético, a decisão barra tentativas de institucionalizar a exclusão. “Permitir o debate e o uso da linguagem neutra nas escolas é um passo fundamental para acolher discentes trans e não-bináries, garantindo que também se vejam como pertencentes no espaço escolar”, afirma.

A língua é de todes — e a democracia, também
Ainda segundo Borba, a polêmica sobre linguagem neutra revela um erro recorrente: “confundir a norma culta com a língua como um todo”. O português é multifacetado, e ensinar suas variações, incluindo as inovações inclusivas, não enfraquece o domínio da norma padrão — ao contrário, amplia a competência comunicativa dos estudantes.

“Proibir o uso da linguagem neutra nas escolas significa negar a existência desses indivíduos, perpetuando violências simbólicas que marginalizam corpos e subjetividades”, reforça o professor. Ao barrar essa proibição, o STF reconhece que a educação deve ser antirracista, antilgbtfóbica e comprometida com a dignidade humana.

Como professor e ativista, ele conclui: “Vejo nessa decisão um passo crucial para descolonizar currículos e construir escolas onde nenhuma identidade precise se encolher para caber em normas arcaicas. A língua é de todes — e a democracia, também”.

Vitória política e pedagógica
Ao impedir que municípios e estados legislem sobre a linguagem usada nas escolas, o STF:

Protege a liberdade de expressão no ambiente educacional;
Reafirma o papel da União na definição de diretrizes curriculares;
Reconhece a legitimidade das demandas por uma linguagem mais inclusiva;
Envia uma mensagem clara de que a escola não é espaço de censura, mas de convivência democrática com a diversidade.

A decisão não encerra o debate — ele continuará nas salas de aula, nos livros didáticos, nas redes sociais e na vida cotidiana. Mas ela impede que leis locais silenciem vozes dissidentes. No Brasil de hoje, isso já é muito.

Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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