“O bolsonarismo e outras vertentes do neofascismo cresceram e ganharam inclusive onde normalmente não ganhavam, a começar pelo Nordeste”, aponta o professor João Ricardo Dornelles.
Confira:
Um companheiro do PT, Roberto Ponciano, lembrou outro dia que é bom não esquecer o que deu errado no Chile e como o PS, que saiu da ditadura militar de Pinochet como uma máquina eleitoral forte e capaz de disputar de frente com a direita todas as eleições. O PS foi rebaixando as suas bandeiras, acabou minguando e virou um partido sem protagonismo.
A receita lá não deu certo. Espero que o PT e a esquerda por aqui não trilhe este caminho, embora existam sinais que apontem exatamente o contrário.
Nas eleições municipais de 2024 a grande imprensa diz que os extremos foram derrotados. E colocam como “moderados” os apoiados por Tarcísio, Kassab, Caiado etc.
Pelo contrário, o bolsonarismo e outras vertentes do neofascismo cresceram e ganharam inclusive onde normalmente não ganhavam, a começar pelo Nordeste.
Não disputamos mais as consciências e a tática eleitoral é a nossa única estratégia. Ou melhor, não existe mais objetivo estratégico que aponte para um modelo alternativo de sociedade, mas apenas objetivos táticos eleitorais, com rebaixamento absoluto das bandeiras mais importantes para a esquerda. Tudo em nome da chamada “governabilidade”.
A história de outros povos mostra isso. E aqui mesmo, há menos de 10 anos, a esquerda cometeu o mesmo erro. Tem dado errado sempre.
Nosso objetivo permanente tem sido o resultado eleitoral imediato, sem qualquer proposta de acumulação de forças, não apenas eleitoral, mas também social. Acumulação de forças na organização social, na educação política e na mobilização popular.
E, assim, muitos dos nossos preferem esconder nossas propostas, esconder até nossos símbolos, cores, nos travestindo de liberais, comportados, enquadrados e nada ameaçadores ao sistema.
É surpreendente ver gente que se diz de esquerda festejando vitórias da direita fisiológica e neoliberal em nome da “querida frente ampla”, essa panaceia que serve para curar todos os males. Tem gente festejando vitórias do PSD do Kassab como uma grande vitória, afinal é a tal “frente ampla”.
Nossa esquerda está tomando uma feição liberal, cada vez mais se parece com os democratas dos EUA.
Debate apenas assuntos pontuais, sem articular tais temas com qualquer objetivo de acumulação de forças estratégicas. Até porque deixamos de ter objetivos estratégicos. Nossos objetivos se circunscrevem à projetos imediatos, eleitorais. Alguém ainda pensa em socialismo?
A esquerda perdeu a ousadia, acovardada tenta passar a imagem de boazinha, confiável para os inimigos, aquela que jamais vai romper com a ordem. Que ordem? A do capitalismo neoliberal? A do guerreirismo generalizado? A ordem da violência que potencializa o neofascismo?
Temos que voltar a ser a vanguarda da luta contra essa ordem injusta, exploradora, opressora.
Mas hoje somos os guardiões da ordem que nos oprime.
Ser radical passou a ser palavrão. Pelo que se saiba, radical é quem enfrenta os problemas pela raiz, quem busca mudar a realidade entendendo a sua essência, indo à raiz das coisas.
Enfim, repensar a esquerda e reconstruir suas organizações têm que levar em conta todos esses aspectos.
João Ricardo Dornelles é professor de Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz
Uma resposta
Excelente análise. A esquerda tornou-se mendiga do carisma de Lula. O Lulismo desqualificado tem como objetivo a governabilidade ditada pela Direita, e assim, está acabando com o PT. A esquerda apenas defende o Status quo, ou seja, o SISTEMA que a extrema direita combate com sucesso.