“Em meio a toda a superficialidade que domina os dias, tem sobrado pouco espaço para a contemplação”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório
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O maior descanso para mim é não ter hora marcada. Por isso, quando viajo a lazer, prefiro vadiar pelos dias sem muita combinação. Um mínimo de plano é necessário para não perder completamente o rumo e acabar sem destino. Um ou dois dias sem qualquer agenda é bom demais. Mais que isso pode virar desperdício. Embora tudo dependa da vontade que se tem nas escolhas que nos põem em lida com o tempo.
Observo que em meio a toda a superficialidade que domina os dias, tem sobrado pouco espaço para a contemplação. Ficar a olhar, simplesmente, para uma vista bonita, uma cena curiosa, cores empilhadas em forma de colchas expostas para venda numa feira de rua. Não precisa nem pegar um avião se esse encontro, que não foi marcado, acontece e estamos disponíveis na alma para comparecer em plenitude.
Diante da minha janela de sábado há um mar cortado pelo espigão, respirando entre os prédios e os andaimes de construção erguidos para fazer mais. Há certa beleza gráfica nessa mistura da natureza com a implacável presença de gente invasora. Sinto um arrepio ao pensar que palmo a palmo, a beira mar vai sendo engolida. Para onde será que pensam que vão? Será que pensam?
A contemplação virou viagem crítica à falta de sentido do caos das cidades. Ouvi falar que o edifício que subirá em breve terá apartamentos de mil metros quadrados, um por andar, obviamente. É óbvio, também, que a conta não fecha. O valor de construção de cada metro desses daria para várias casas que abrigariam os que dormem pelas ruas, ou violentam-se a pagar aluguéis abusivos, por buracos.
É chato não conseguir parar na visão, tão linda, das águas azuis e verdes que alcançam além do horizonte. Os barcos de pesca viraram catamarãs de passeio e chegará o dia que São Pedro não vai mais querer sair na procissão. Confusa entre enxergar ou mergulhar nas delícias que ainda estão por aqui, saboreio a segunda caneca de café do dia.
Como disse o amigo, a paz é precária, porém, haverá sempre motivo para tocar a vida.
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS