“O teatro é ancestral eterno, íntimo, insubstituível. Não sumirá, como jamais sumirão os livros de papel, as gravuras fora das telas, as apresentações de música ao ar livre, as salas de cinema, por mais ataques que sofram”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório. Confira:
Encontro gratíssimo com um texto belo e forte numa sala de teatro em São Paulo. Uma pequena sala, um público gigante que a lotava. Havia a atriz que entoava aquela ode com graça e drama. Eu do outro lado, encolhida na cadeira, ouvindo, vendo, recebendo, adorando. Minhas malas guardadas no canto da entrada, voada para ali do desembarque no aeroporto. Era sobre as palavras, a subversão do sentido que sofrem, e, no limite e na essência, sobre a Crise do Alfabeto.
Parece maluquice, falar em crise de algo tão aparentemente estável como a poderosa instalação arbitrária da língua. Em defesa da gramática, a mulher no tablado aponta as incoerências das falas convencionadas, as contradições das ditas boas frases, mergulha nas suas memórias e encontra histórias que ilustram, mais que contam, sobre nós.
Além da qualidade da peça, – a criação, atuação, produção, impecáveis em todos os melhores sentidos-, a intensidade de compartilhar, ao vivo, risos, temores, perplexidades, naturezas, desencontros. Quando tenho a oportunidade luxuosa de estar nessa situação, reafirmo o quanto o teatro é ancestral eterno, íntimo, insubstituível. Não sumirá, como jamais sumirão os livros de papel, as gravuras fora das telas, as apresentações de música ao ar livre, as salas de cinema, por mais ataques que sofram.
O presencial não sucumbirá, é o que constatamos ao estar com mais cem ou duzentas pessoas, reagindo em uníssono, embora, não necessariamente da mesma maneira. Compactuamos, sem combinar, estar ali no mesmo horário, ao mesmo tempo, no mesmo território físico demarcado. Com o conveniente auxílio da virtualidade para divulgar, vender, confirmar, deslocar- caso você tenha viajado até ali num carro de aplicativo ou num ônibus, talvez metrô, que expõe na internet os horários precisos nos quais passa por tais e tais lugares. Mais confortável e afasta os riscos de atraso.
A anfitriã confessa desconfiar que a crise da palavra, como consequência da desordem do alfabeto, começou com a desregulação. As nomeações entraram em confusão mental, resumos impensáveis, compostos absurdos – como “crescimento negativo”, por exemplo. Quem nunca leu, ouviu, engajou nessa expressão? Estranhando as bizarras vizinhanças que compõem o dicionário, faz-nos refletir sobre a consciência do que andamos dizendo. Com que significantes estão indo os significados?
LÍNGUA MÃE
Texto de Juan Jose Millás, direção de André Paes Leme, Atuação, Tradução e Adaptação Mônica Biel.
Em São Paulo no Sesc Pinheiros, quinta a sábado, até 26 de abril.
VÁ AO TEATRO! SEMPRE!
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais