“O Espírito do Tempo” – Por Tuty Osório

Ainda que não mais seja
Tuty Osório é jornalista, publicitária e escritora

“Em busca do coletivo urgente, contudo, abraço a mornidão da tarde em esforço de desculpas”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório

Confira:

Um amigo lança um livro de poesias. Poesias. É maravilhoso que se escreva poemas da existência, um poeta místico, aqui, agora. Um poeta que não é um filósofo doente, não é um doido. Fala da vida a passar e a registra em volteios, com, ou sem rimas. Um outro amigo pinta sua família reunida numa pequena tela, porque só assim é possível ter todos juntos. Por motivos diversos, somente as pinceladas gravadas no branco algodão sobre a madeira, trouxeram de volta o encontro que não há, de outro modo.

Sentir é existir no instante e cantá-lo em completude. Segundo Cecília, a Meireles do rebelde romantismo. Sinto-me, hoje, bem com esse HOJE que me tem parecido, por vezes, tão sem AMANHÃ, ou com um devir cruel de amargos desalentos. Reconciliada, talvez, distraio-me com um sol lindo e forte, sobre o mar verde da minha janela. Mais tarde haverá um crepúsculo róseo, violáceo, denunciando o prenúncio de mais chuva.

Diferente da impermanência atribuída ao budismo, ou do futuro que nos foi roubado pelas falas da autoajuda, sinto que vale, sim, receber um sol que quer brilhar. Apesar dos gritos que permanecem mesmo que eu não os escute no meu cotidiano de afagos e confortos, um tanto infiel à consciência que defendo.

Em busca do coletivo urgente, contudo, abraço a mornidão da tarde em esforço de desculpas. Na entrevista que ouvi no Youtube, pela madrugada, o jornalista que lutou contra a ditadura diz, convicto, que o novo sempre vem**. Diz que há que estar atento. Diz-se ateu, afirmando que se, aparentemente, Deus fechou as portas, há, com certeza, uma aberta nas proximidades.

É só sentir vindo no vento o cheiro da nova estação***. Quem tem imaginação não tem medo. Pode até não ser feliz. Todavia, segue seguindo, seja qual for a cor da noite.

*”Zeitgeist”, de origem alemã (significando “espírito da época” ou “espírito do tempo”), refere-se ao conjunto de ideias, crenças, comportamentos e influências que caracterizam uma determinada época. É o clima intelectual e cultural predominante de um período específico, as características genéricas que definem uma época.

**/*** Como os Nossos Pais, canção de Belchior, 1976

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais

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