“O Presente incômodo do Jornalismo Cearense” – Por Heliana Querino

Heliana Querino é jornalista

Com o título “O Presente incõmodo do Jornalismo Cearnese”, eis artigo de Heliana Querino, jornalista.”A maioria trabalha online, vive sob pressão e com pouca margem para descanso”, expõe a articulista.

Confira:

Dois dias de vozes, dados, escutas e confrontos. Nos dias 30 e 31 de maio, jornalistas de várias regiões do estado se reuniram no Hotel Sonata de Iracema, em Fortaleza, para o XII Congresso Estadual dos Jornalistas do Ceará. O evento, promovido pelo Sindjorce, deixou de lado o tom celebratório e se aprofundou nas urgências da profissão. Quem estava ali sabia: era hora de encarar o presente sem anestesia.

Oficinas e abertura: ética, IA e compromisso

A programação começou com oficinas que cruzaram prática e contexto: inteligência artificial nas redações, cobertura LGBTI+ com compromisso ético e estratégias de marketing digital voltadas para jornalistas. Além disso, à noite, o ato público pela PEC do Diploma lembrou que o jornalismo precisa ser reconhecido como profissão regulamentada, com formação garantida. A conferência magna com Natalia Viana, diretora da Agência Pública, jogou luz sobre os conflitos entre informação, poder e plataformas. Ela lançou, no encontro, seu livro O vazamento, sobre o impacto do WikiLeaks no cenário global.

Dados do mercado: precarização e mudanças

O sábado foi dedicado à imersão nos dados. Samira de Castro (FENAJ) e Fernando Lima (DIEESE/SP) abriram o dia com um panorama do mercado de trabalho. O Ceará terminou 2023 com 1.971 vínculos formais em funções jornalísticas. Porém, a ocupação mais comum é a de assessor de imprensa (40,1%), seguida por jornalista e editor. O salário médio no estado fica abaixo da média nacional, e além disso, o número de vínculos caiu em relação aos melhores anos da década anterior.

Organização sindical: o desafio da representação

A segunda mesa tratou de organização coletiva. Rafael Mesquita (Sindjorce), Ana Cristina Guilherme (SINDIUTE) e Lívia Vieira (UFBA/Farol Jornalismo) discutiram como os sindicatos podem — ou precisam — acompanhar as transformações da categoria. Os vínculos formais encolhem, entretanto, o número de jornalistas que seguem produzindo, muitas vezes como PJs, freelancers ou autônomos, cresce. A representação sindical, nesse contexto, tem o desafio de sair da bolha e criar pontes com esse conjunto fragmentado, mas ativo.

Novos espaços: jornalismo feito das margens

Na terceira mesa, o foco se voltou para os novos espaços de atuação. Katia Brembatti (Abraji), Naiana Rodrigues (UFC) e Edgard Patrício (PráxisJor/UFC) trouxeram à roda experiências que rompem com a centralidade das grandes redações. Jornalismo feito a partir das margens, com outras formas de financiamento, circulação e produção. Naiana destacou: “O jornalismo continua sendo uma profissão fundamental. Reconhecemos a necessidade e a relevância do jornalismo para a democracia, e é isso que dá sentido ao jornalismo e ao trabalho do jornalista.” Patrício reforçou que o jornalismo, nesses arranjos, se articula com valores da profissão, mas opera por outras vias — menos hierarquizadas, mais coletivas.

O perfil do jornalista cearense: estresse, acúmulo e resistência

O lançamento da pesquisa “Perfil do Jornalista do Ceará”, coordenada por Naiana Rodrigues e Rafael Costa, escancarou o cenário vivido no dia a dia: 70,1% relatam estresse no trabalho, 42,2% já sofreram assédio moral e 25% acumulam mais de uma ocupação. A maioria trabalha online, vive sob pressão e com pouca margem para descanso. Ainda assim, 73,5% dizem sentir satisfação no exercício da profissão. O dado fala de compromisso, mas também de resistência em meio à sobrecarga.

Carta de Fortaleza: fôlego político e coletivo

A plenária final aprovou a Carta de Fortaleza, com a afirmação: “Quem informa o Ceará somos nós”. Um posicionamento firme, que reivindica autoria, responsabilidade e organização diante de um contexto que tem exigido respostas rápidas, porém também estrutura e estratégia coletiva.

O Congresso não se contentou em mapear a crise. Foi além: trouxe para o centro da discussão as práticas que escapam das estatísticas formais, mas que sustentam parte significativa do jornalismo feito hoje no Ceará. O esgotamento existe, é real, porém não é o fim da linha. O que se viu no Sonata foi outra coisa: uma tentativa de reorganizar o fôlego — com debate, escuta e construção política.

Heliana Querino é jornalista, escritora e revisora com sólida experiência na produção de textos biográficos e acadêmicos. “Minha missão é transformar histórias e ideias em textos claros, impactantes e com excelência literária. Atendo profissionais, pesquisadores e autores que valorizam um olhar criterioso, estilo apurado e absoluto respeito à voz de quem escreve”, diz a autora.

COMPARTILHE:
Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
Email
Mais Notícias