Com o título “O retorno da esquerda às ruas”, eis artigo de Cleyton Monte, cientista politico e presidente do Instituto Centec. “O retorno da esquerda às ruas não deve ser reduzido a gesto episódico. Ele indica a possibilidade de reconstituir laços entre política institucional e participação popular. Se conseguir articular juventude, mundo do trabalho e defesa intransigente da democracia, a esquerda poderá não apenas voltar às ruas, mas reencontrar sua relevância histórica”, expõe o articulista.
Confira:
A mobilização recente recoloca a esquerda brasileira no espaço público. Não se trata apenas de rejeitar projetos que limitam a responsabilização de autoridades e fragilizam os mecanismos de controle. Está em jogo a própria qualidade da democracia. Ao propor blindagens a agentes políticos, o Congresso envia a mensagem de que o poder pode se autorregular sem prestar contas. A reação social rompe esse cálculo e revela que há limites para a captura institucional.
O retorno às ruas precisa ser lido em chave mais ampla. A esquerda passou anos ausente do protagonismo das mobilizações de massa, deixando que setores conservadores imprimissem sua marca no imaginário político. Essa retração cobrou preço alto: perda de narrativa, fragmentação organizativa e distanciamento de novas gerações. A reação popular inaugura a possibilidade de reversão desse quadro, mas exige método, continuidade e capacidade de diálogo.
A juventude emerge como ator decisivo nessa disputa. São os jovens que historicamente empurraram rupturas democráticas — das Diretas Já aos caras-pintadas — e são eles que hoje vivem os impactos diretos das transformações no mundo do trabalho. Sua presença não é apenas simbólica: traduz a vitalidade necessária para atualizar bandeiras e construir novos horizontes de engajamento político. A esquerda que não compreender essa centralidade permanecerá refém do passado.
A resposta institucional também mostra sinais de mudança. Ontem, a Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade a redução do Imposto de Renda. Mais do que um gesto técnico, a decisão deve ser lida como consequência direta da pressão social. Quando o povo ocupa as ruas, o Parlamento é forçado a reagir, ajustando sua pauta e sinalizando abertura. Esse episódio confirma que a mobilização popular continua sendo variável fundamental para a democracia: sem pressão social, reformas distributivas dificilmente avançam.
O mercado de trabalho em transformação amplia esse desafio. A precarização, a informalidade e a intermediação digital não podem ser tratadas como fenômenos marginais. São a condição existencial de uma geração que oscila entre a hiperconexão tecnológica e a ausência de direitos. Sem enfrentar essa questão, o discurso democrático da esquerda perde lastro social. A rua, nesse sentido, não é apenas território de resistência, mas laboratório de escuta e formulação de respostas a esse novo cenário.
O retorno da esquerda às ruas não deve ser reduzido a gesto episódico. Ele indica a possibilidade de reconstituir laços entre política institucional e participação popular. Se conseguir articular juventude, mundo do trabalho e defesa intransigente da democracia, a esquerda poderá não apenas voltar às ruas, mas reencontrar sua relevância histórica.
*Cleyton Monte
Cientista político e presidente do Instituto Centec.