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“O Sul e a Sorte”

Ainda que não mais seja
Tuty Osório é jornalista e escritora

“Por motivos mil, muitas vezes ancorados em opressão, não foi só do Rio Grande do Sul que partiram as toadas separatistas”, aponta a jornalista Tuty Osório. Confira:

Em 2009, havia um voo de Fortaleza para Porto Alegre, com escala em Brasília. Era, praticamente, atravessar o Brasil em pouco mais de quatro horas. Sem mudança de avião. O que parece trivial, é complexo. O Brasil no Ceará é completamente diverso do Brasil de lá. É também semelhante, portando identidades que nos pertencem como lógicas. Comuns.

Essa unidade nacional empatou todas as intenções de separatismo, desde os Farrapos, passando pelo levante liderado por Brizola, com a missão de garantir Jango na presidência. Separar foi alardeado, sem jamais vingar. Por motivos mil, muitas vezes ancorados em opressão, não foi só do Rio Grande do Sul que partiram as toadas separatistas. Pernambuco, Pará, Nordeste, com maior ou menor organização, já falaram em deixar de ser Brasil. Paulistas defenderam um Sudeste independente, e sabe lá mais quem levantou essa bandeira efêmera e nascida rasgada.

O Brasil está aí. A maioria quer permanecer junto. Mais. Quer elos fortes, de correntes partilhadas para salvar. Em plena polarização, como dizem, pessoas com crenças e posturas eleitorais opostas, estendem a mão para ajudar. A solidariedade não tem credo nem ideologia. É o sentimento de bondade que a motiva e a faz prosseguir, renitente, obstinada. Somos mais do que irmãos. Somos brasileiros, viventes, natureza unida pela grande árvore da existência sob a Mãe gigante que nos abriga.

Enquanto escrevo estas linhas perdidas, saídas da inspiração e da transpiração sem plano, sem afetação, penso em como a minha ingênua ternura irrita os racionais de plantão. Meus amigos intelectuais consolam-me com condescendência. Coitadinha, tão compadecida, tão abalada com o que é fato consolidado – o ciclo econômico das tragédias, na versão mais atual do domínio dos prepotentes. A economia da morte. Os lucros da destruição provocada, para reconstruir com vantagens para os donos do mundo. Gaza, Ucrânia, guerras, enchentes.

Por quantas pontes, estradas, casas, eletrodomésticos, veículos, terão de pagar os desabrigados e seus solidários concidadãos? Por quanto se compra um garrafão de água potável, vital enquanto se deslocam as doações até às regiões dominadas pelo desalento, a violência, o caos? A exploração e a especulação são sem pátria e sem fé. Perambulam qual mascates assombrados, espoliando em lugar de proteger.

Os amigos talvez estejam certos. Pode ser, mesmo, pueril indignar-se, chorar, revoltar-se com a vulnerabilidade desprezada de tantas vidas. Para onde vamos? Nós, os sem nada? Para quem tudo é provisório até à ordem do falso ordenador.

Que palavras grita o Zaratustra deste tempo ficcionado, deste vento tresloucado em sarabandas?

São sabres ou flores que portamos no manto que esconde o pão possível?

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS

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