“Contra argumento que terapia não é milagre, nem conserto de cadeira quebrada”, aponta a jornalista, publicitária e escritora Tuty Osório
Confira:
Sexta-feira. Reunião até às 19.30h. Esta última presencial. As demais, anteriores, de pesquisa qualitativa, ON LINE, desde as 9 da manhã. Da última pelo computador saio correndo para pegar um material na gráfica e corro para a derradeira. Tudo certo. Gosto muito do meu trabalho. Tenho sorte e muita dedicação escolhida. De lá vou ao Shopping comprar ervas para chá. Adoro chás e apareceu uma indicação nova, para estabilizar as náuseas inexplicáveis e ajudar no sono. Dois vilões recentes, que teimam em perseguir a mim e à minha mãe. Enjoos e insônias. Deixá-los. Uma hora cansam.
O fato é que chego a casa às 20.40h. Havia checado as mensagens no supermercado para ver se minha mãe iria querer algo mais. Depois deixei quieto e só retomei ao adentrar. Pelo whatsapp, Conchita cobrava a minha presença na Casa de Enock*, seu Bar em Casa virado ponto de encontro sagrado entre os amigos. Já tinha desistido de ir. Cansada, cheia de tarefas, meus amados livros esperando para serem lidos e escritos. Torço o nariz e vacilo diante dos argumentos de Consuelo.
-Theodora está muito angustiada. Repete que a terapia falhou, que não tem dinheiro para se cuidar de verdade, que está cada dia mais angustiada. Mulher, vem, não sei mais o que fazer com ela! – é uma mensagem de voz, aflita e já temperada por algumas cervejas parceiras. Não por isso, porque estou acostumada a chegar com a turma acima do meu ponto, mas porque preciso mesmo assistir algo divertido na TV com a mãe e capotar cedo, na minha caverna maravilhosa. Tipo, meu quarto, meu mundo.
Respondo por escrito. Explico as últimas semanas, os dias, o dia específico. Contra argumento que terapia não é milagre, nem conserto de cadeira quebrada. É um processo, entre outros, de encontro, ressignificação, e por aí vai. Cansada dessa minha ladainha diante da teimosia das pessoas em se enfrentarem. Já fui até chamada de neoliberal por defender essa vontade individual, essencial ao lidar com o coletivo, seja virtuoso, seja perverso. Ando sem energia para convencer. Se pudesse, mergulhava, de vez, na caverna, tendo a minha mãe e as minhas filhas como guardiãs. Só que não é assim. E sou consciente disso, seja lá que raio isso for…
Diante da minha mensagem, Conchita telefona e sucedem-se interlocutores diversos, cada qual num calibre diferente, todos insistindo que eu vá, não tarde, não falte. Os mais dramáticos afirmam que haverá abismos e silêncios se eu não for. Respondo que enquanto os houver, quero estar sozinha. E que mudando de ideia, eles serão sempre a minha prioridade. Não é bem assim, mas é um pouco assim, daí não é mentira. Podemos driblar para não magoar, mentir, nunca. Poderia lançar um livro, As éticas da Tuty. Hein?
Não vou à Casa de Enock. Até mandei fazer uma plaquinha de alumínio, escrito A Toca da Tuty, para pendurar no meu canto preferido de lá. Contudo não vou. Preciso muito descansar. Todavia, recolhida, enfim, não paro de pensar em Theodora e em sua tristeza, no sofrimento que sombreia sua face, mesmo insistindo em rir. Vontade de a instalar num berço, de afirmar-lhe que tudo ficará bem, que não chore, não se desespere…
Que sei eu dessas coisas todas? De estar feliz, triste, calma, desesperada? Lembro que sei de amizade, de acolhimento, união apesar dos egoísmos que tentam destruir a nossa compaixão. Lembrada disto, escrevo a Theodora , ainda na madrugada. Para benção geral ela responde. Está segura e forte. Guardo a minha harpa na sacola e adormeço. Gratidão.
*A Casa de Enock – bar na casa da amiga Consuelo, já apresentado aos leitores e leitoras, em crônicas anteriores.
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais