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“Passagem cruzada”

Ainda que não mais seja
Tuty Osório é jornalista e escritora

“Uma pena que tenho no Brasil é de não haver mais trens de passageiros”, aponta a jornalista Tuty Osório. Confira:

Gosto de estrada. Carro, dirigindo, ou, não. Ônibus de todo o tamanho. Até daqueles dos filmes, em que os passageiros carregam caixas, cestas, animais. Claro que prefiro os ônibus leito, com ar condicionado, manta quando esfria muito.

Quando tem banheiro é quase o paraíso. Com um bom spray antibacteriano e lenços de papel, está feito o reinado. Quem é mulher sabe do que eu estou falando. Compreende. Sente.

Deixemos a estrada para outra conversa. Hoje quero falar de trilhos, trens, estações.

Coisa maravilhosa é uma viagem de trem. Criança e jovem, fiz muitas, em Portugal, com os meus pais.

Para quem não se acha melancólica, são muitas as peregrinações por memórias.

Um dos percursos ia do Porto a Espinho. Atravessava uma ponte estreitinha sobre o rio Douro, parecendo que estávamos suspensos no ar. Paradas em Esmoriz, Miramar, Aguda. Não sei mais se nessa ordem.

Todo o trajeto beirava o mar, os pinhais na areia de cascalho clarinho, em quadros deslumbrantes, recortados pelas janelas descidas quando era verão.

Universitária, em Lisboa, era a linha do Estoril entre o Cais de Sodré e Algés. Como eu amava seguir por ali e sonhar acordada. Esse caminho de ferros também margeava as praias, estas de rochas, por quase todo o tempo.

Lisboa contava com mais uma linha, a de Sintra, atirada serra acima, a partir, justamente, de Algés. Naquela época, a cidade bordada já era gentrificada, invadindo os pequenos lugarejos vizinhos. De dentro do trem não me importava. Sentia-me em eterno século XIX, num romance do Eça, questionando a monarquia e a igreja.

Uma pena que tenho no Brasil é de não haver mais trens de passageiros. Parece que um ou outro mantém-se, lá pras bandas de Minas Gerais.

De vez em quando suspensa de rodar, a Maria Fumaça está firme, entre São João Del Rei e Ouro Preto. Ainda não tive o prazer, porém, não quero demorar-me em ir.

Terras são sempre do sem fim quando lhes buscamos o sentido. Melhor não tardar.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS

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Respostas de 2

  1. Seus textos são sempre bons de ler, trazendo uma sensação de vida gostosa de viver! 🤩🤩

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