“Sob o pretexto de que não usam nomes, nem imagens das autoridades, os publicitários, como regra, deixam de cumprir a exigência ‘do caráter educativo’ nas peças publicitárias da Administração”, aponta o advogado Djalma Pinto. Confira:
Os governos estaduais, municipais e federal têm gastado volume espantoso de recursos com a chamada propaganda institucional. Uma reflexão precisa ser feita, imediatamente, por parte dos tribunais de contas, das controladorias, do Ministério Público, do CONAR, enfim, de toda a sociedade, a grande financiadora e destinatária das ações da Administração Pública.
A base legal, invocada para respaldar os gastos nessa rubrica, encontra-se no parágrafo primeiro do art. 37 da Constituição. É fato incontroverso, porém, que as três primeiras linhas desse dispositivo são desprezadas como se não estivessem escritas. São esquecidas como se destituídas de qualquer significado. A ênfase com que ali foi ressaltada a finalidade educativa da propaganda institucional não pode, todavia, sob hipótese alguma, ser desconsiderada: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social….”. Ou seja, o caráter educativo deve ser preponderante na propaganda paga com dinheiro público. É, como se vê, imposição constitucional que a veiculação da propaganda governamental preencha esse requisito.
No mundo real, entretanto, os publicitários contratados pelo Poder Público sepultam, literalmente falando, o texto constitucional como se tivessem liberdade para produção de propaganda sem qualquer preocupação com o seu caráter educativo. Revogam eles, em última análise, a determinação expressa no citado artigo da Lei Maior.
Interpretar é extrair da norma tudo o que nela se contém. Não apenas aquilo que interessa à conveniência do eventual intérprete. Não existirá, por outro lado, interpretação da lei quando dela é suprimido o seu próprio conteúdo. Há, nesse caso, sua inaceitável revogação por quem não tem legitimidade para fazê-lo.
Após exigir a Constituição que a propaganda institucional tenha, efetivamente, caráter educativo, ainda ressalta na parte final do § 1º, do citado art. 37: “dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Sob o pretexto de que não usam nomes, nem imagens das autoridades, os publicitários, como regra, deixam de cumprir a exigência “do caráter educativo” nas peças publicitárias da Administração, que são veiculadas pelas diversas mídias. Ao transformarem em letra morta a determinação constitucional de contribuir com a educação dos cidadãos, descumprem, como consequência óbvia, o dever imposto, expressamente ao Estado de assegurar educação a todos os cidadãos.
O art. 205 da Constituição não poderia ser mais claro, na imposição desse dever, ao enfatizar: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Resta visível seu desacato na propaganda oficial sem caráter educativo.
Não se justifica o descumprimento de obrigação de tamanha relevância. Uma ferramenta eficaz para o Estado cumprir o seu dever de disponibilizar educação para o pleno desenvolvimento da pessoa, desestimular crianças e jovens da opção pelo crime não pode ser desprezada. Sem compromisso algum com o propósito educativo, o seu gasto é inútil, diante da inexistência de qualquer efeito prático para a sociedade. Após a veiculação maciça de muita publicidade governamental, as pessoas sequer lembram de sua mensagem, horas depois da veiculação.
Por tratar-se de ato emanado da Administração, a veiculação de publicidade governamental sujeita-se à observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência. Cabe, outrossim, aos Tribunais de Contas e ao Poder Judiciário sindicar a legitimidade de seus gastos, inclusive, para comprovação do caráter educativo. Essa exigência, entretanto, parece indevidamente, “revogada” por muitos publicitários. Ao analisar essa imperdoável indiferença, o julgador tem sua atenção voltada para o art. 5º, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
A Ciência do Direito não pode flexibilizar a interpretação da norma de sorte a esterilizar a parte mais socialmente útil de seu texto. Sobretudo num ambiente em que mais se faz necessária propaganda institucional com caráter educativo para desestimular a crescente predisposição para a criminalidade dos jovens, cooptados por facções, que infernizam a vida da população, e para reduzir o vergonhoso índice de violência contra jovens e mulheres indefesas.
Por fim, a falta de respeito, à exigência do caráter educativo da propaganda institucional, tipifica abuso de autoridade, assim descrito no art. 74 da Constituição: “Configura abuso de autoridade, para fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal. Ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma”.
Não poderia ser mais claro o texto da Lei maior. Ou a propaganda tem caráter educativo ou está configurado o desvio de finalidade, no repasse de verba para sua veiculação. Bem utilizada, deveria ser uma ferramenta essencial no combate à criminalidade, cujo embrião, como advertem os especialistas, pode ser contido na infância por meio da assimilação de bons valores por ela propagados. Se uma publicidade estimula o jovem a beber cerveja, como não pode ser eficaz para afastá-lo do crime?
Djalma Pinto é advogado, autor de diversos livros, entre os quais Pesquisas Eleitorais e a Impressão do Voto, Ética na Política e Distorções do Poder
Uma resposta
Sem dúvida, tema de relevante importância. Considerando no entanto, a dificuldade de determinar com precisão o significado de “caráter educativo” em cada divulgação, cabe aos órgãos fiscalizadores que, por natureza devem ostentar maior conhecimento técnico, cumprir o papel para o qual foram criados sobre cada matéria divulgada.