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“Sob abominável tutela”

Valmir Pontes Filho é jurista, professor e ex-procurador-geral do município de Fortaleza. Foto: Divulgação

“Um procedimento anômalo (apelidado de ‘inquérito do fim do mundo’), juridicamente nulo desde o princípio, deu inúmeras crias que, no seu conjunto, por sua vez produziram centenas, senão milhares, de atos restritivos das mais singelas e básicas liberdades”. aponta o advogado e professor Valmir Pontes Filho.

Confira:

Tal como se fôssemos incapazes para quaisquer atos da vida civil, vimo-nos declarados interditos, embora sem adequado processo para esse fim. Encontramo-nos sob um execrável e odioso sistema autodenominado “tutelador da democracia”, assim perfidamente designado para justificar a extinção lenta, progressiva e dolorosa dela própria, a DEMOCRACIA. Tudo por obra de uma récua de ditadores chefiados por alguém que, ironicamente, usa toga que não merece.

Um procedimento anômalo (apelidado de “inquérito do fim do mundo”), juridicamente nulo desde o princípio, deu inúmeras crias que, no seu conjunto, por sua vez produziram centenas, senão milhares, de atos restritivos das mais singelas e básicas liberdades, entre as quais a de ir e vir, de expressar opinião e de ter acesso a uma imprensa (no sentido lato da palavra) livre e independente. Por obra de mentes pervertidas e maldosas, tudo e todos passaram – à revelia escandalosa da Constituição – a se submeter à primária competência jurisdicional do stf (grafado em minúsculo, apropriadamente).

Um “Brancaleone” tupiniquim às avessas, temido mais que admirado, a mim mais me parece um ser lombrosiano (), pois suas expressões, gestos e palavras revelam isto a fartar. À conta de suas ações e omissões deliberadamente perversas, quase um milhar de cidadãos “ganharam” o status de presos políticos, sendo que pelo menos um morreu no cárcere (e outro, velho e gravemente enfermo, está condenado ao desencarne iminente). E, pior, isto ocorreu e está a ocorrer com a mofina complacência das Forças Armadas (do Exército, em particular, que conduziu, à socapa e à margem da ordem jurídica), homens, mulheres e crianças para um “estádio de concentração”. Distante de mim a antiga reverência e admiração por elas, que nutria desde criança (*).

Já existiam, posto que sem cumprimento das garantias da ampla defesa e contraditório, intoleráveis ordens de bloqueio e desmonetização de contas em redes sociais, de contas bancárias pessoais, de censura explícita (“excepcional e temporária”, segundo ministra por quem cheguei a nutrir admiração) de certos temas, pessoas e palavras. Vários profissionais de imprensa foram demitidos e estão a viver no exílio, com receio de represálias.

Agora veio a eliminação súbita (por atitude liminar e monocrática, mas já corroborada por turma da sobredita “corte”) do Twitter/X. E as citações ou intimações restaram feitas via internet (pela própria plataforma)! O que falta para que façam exatamente o mesmo com o whatsup, o facebook, o instagram e outras mais? NADA, RIGOROSAMENTE NADA! Inexistem limites para o regime opressivo em vigor. Ficaremos ilhados aqui e separados do resto do planeta (***).

Rigorosamente inacreditável que, em caso de acesso ao “X” por meio externo (VPN), mesmo os indivíduos (pessoas físicas) devem pagar multa de R$ 50 mil reais POR DIA! Se o Sr. Elon Musk – um sujeito mais patriótico do que muitos brasileiros “isentões” daqui mesmo – pode pagar isto, esta brutal pena pecuniária me decretaria a definitiva “falência” pessoal. Prefiro trocar o X por CH, como faria uma “letrada” ex-presidente do Brasil.

Tal “decisão”, inaudita e estrambótica, já causou danos irreversíveis à democracia tênue e “relativa” que se imaginava ainda subsistir nestas plagas. O nosso País se alinhou, com asqueroso despudor, a regimes autocráticos como os da Rússia, China, Coréia do Norte, Cuba, Mianmar e Turcomenistão e Venezuela.

O “X”, que tem CNPJ, não teria indicado representante legal no Brasil (a última CEO, diz-se, corria o risco de prisão, por não dedurar seus usuários): este foi o motivo para sua abrupta e agressiva “extirpação”. O MST, todavia, que não tem uma coisa nem outra, foi brindado com representante seu em comitiva oficial ao exterior! E se vierem sanções econômicas dos EUA e/ou da União Europeia, como lidaremos com o nosso TRILIONÁRIO “déficit” fiscal? O Brasil “quebrará”?

Bem me lembro do regime militar – na verdade, hoje compreendo, um contragolpe para evitar o comunismo em implantação por Goulart – durante o qual existiram deploráveis excessos, notadamente a partir de 1969, com o AI 5 (****). Mas existia gente de brio.

Em janeiro de 1970, o governo Médici instituiu a censura prévia de jornais, livros, revistas, emissoras e músicas pelo Decreto-lei nº 1.077, a chamada lei da mordaça. Isso foi feito contra texto expresso da Constituição de 1967, que, mesmo tendo sido a Constituição outorgada pelo regime, claramente proibia a censura prévia, em seu art. 150, § 8º, a prescrever o seguinte: “É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura […] A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade […]” ( a atual É IDÊNTICA neste sentido)!

Levado ao assunto ao STF de então, este, acovardado, não declarou a inconstitucionalidade da odiosa norma. Vencido, o Ministro Adaucto Lúcio Cardoso manifestou sua indignada repulsa diante daquela decisão, despiu sua capa, atirou-a em sua curul e abandonou acintosamente o recinto. Havia também um Ulysses Guimarães, que enfrentou soldados armados e cães raivosos, a bradar por LIBERDADE e DEMOCRACIA. Hoje, esses militares de baixo escalão são ordenados a pintar meios-fios. Já os de alto coturno, batem servil continência a um condenado por corrupção.

Não me recordo, infelizmente, de quem é esta assertiva impecável: “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito”.

Depois de longos 51 anos (bacharelei-me em 1973 pela Faculdade de Direito da UFC) desisti da advocacia contenciosa (queria dar pareceres, mas não me procuram…rs), por não mais crer na atual “Justiça” dos homens. E me envergonho de ter ensinado (na UFC e UNIFOR) Direito Constitucional e Hermenêutica Jurídica. Confiado na higidez da Carta Magna de 1988 (*), hoje transformada em pó, transmiti inverdades e falsas esperanças aos meus alunos, ainda que de boa-fé. Peço perdão a eles.

Como comemorar o próximo 7 de Setembro SEM LIBERDADE? Só me restam a dignidade e o livre-pensar, além dos cuidados amorosos de minha mulher (meu “anjo da guarda” encarnado). Rogo a Deus que, nesta atual ambiência de coerção e perseguição, não me roubem a liberdade física ou de expressão… ou façam algo contra minha família.

Ao Criador, minha gratidão.

NOTAS

(*) Cesare Lombroso, médico veneziano, defendia a ideia da predisposição biológica do indivíduo à conduta antissocial, ao qual ele chamou de criminoso nato (segundo os traços faciais e as compleições corporais desses indivíduos).

(**) Sempre pedia aos meus pais para, orgulhoso, ir ver a parada militar de 7 de setembro. Queria ser um deles, para defender a Pátria e o povo brasileiro.

(***) Nem entre nós poderemos nos comunicar mais, a não ser que retornemos à época do “orelhão” e dos bilhetes na máquina “Olivetti”.

(****) Meu pai precisou enterrar (literalmente), no quintal de casa, livros considerados “subversivos” (entre eles os romances de Jorge Amado), que, embora envolvidos em plástico, se desfizeram por completo.

(*) Imagino deva ela, morta mas ainda insepulta, ser substituída por outra, mais principiológica e menos detalhista, a ser elaborada por um Poder Constituinte EXCLUSIVO (a se dissolver empós concluída a tarefa), eleito mediante voto livre e IMPRESSO, sem obrigatoriedade de filiação partidária.

Valmir Pontes Filho é advogado e professor

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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