“Vivemos tempos de nomeações que tranquilizam, falsamente”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório
Confira:
Não é tudo que gosto do Saramago. Há romances que amo. Outros nem tanto. Os textos das Conferências de Estocolmo, quando da entrega do Nobel, são belíssimos, sensíveis, mostram um cara simples, um português dos montes, que deitava na terra com o avô, a olhar o céu estrelado. Reunidos no livro, Da Estátua à Pedra, emocionam e despertam para a sua obra inteira. Neles, Saramago explica um pouco do que escreveu e das motivações. Conta da avó que se sentava numa cadeira de balanço na calçada e dizia do quanto o mundo era belo e que tinha muita pena de deixá-lo, pois estava perto de morrer, com mais de 90.
Comecei com Saramago pela Jangada de Pedra. A história de Joana que finca uma estaca que faz tremer a Península Ibérica que se destaca do continente europeu. Ainda não era premiado, porém, já era polêmico, suscitava paixões de toda a sorte com sua elaboração sem regras, parágrafos de 300 páginas, sem vírgulas, pontos, retrancas. Resisti e segui. Deslumbramento com o Memorial do Convento. Mais ainda com o Ano da Morte de Ricardo Reis. Fui gostando mais, onde viam obstáculos, eu lia fluidez. Um dos meus prediletos é a história da busca de um nome perdido, o irmão nascido e falecido que sumira dos registros da vida.
Vivemos tempos de nomeações que tranquilizam, falsamente. Pessoas perdidas em angústias serenam diante do diagnóstico que chama o seu sintoma de uma alteração, diferença, atipicidade. Ganhou certidão, parece assunto resolvido, desespero apaziguado. Se me chamam de um transtorno sou alguém, tenho uma identidade. Com o chamado vem a medicação que ilude a conquista de um bem estar por um período, mais , ou menos, curto. Os filósofos estão dizendo que a sociedade está adoecida. De um em um, todos juntos e somados, os humanos estão em sofrimento coletivo, desoladamente sós na ilusão de uma individualidade pretensamente positiva.
Não responda que está tudo bem. Não tem como. No nosso coração e no nó do planeta, há agonias insones, fotografias de Hiroshima nos olhos das meninas, do Oiapoque ao Chuí…
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS. Em dezembro de 2024 lançou AS CRÔNICAS DA TUTY em edição impressa, com publicadas, inéditas, textos críticos e haicais