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“Trajetória e perspectiva do déficit e da dívida pública do Ceará” – Por Alexandre Cialdini

Secretário Cialdini, da Seplag-CE. Foto: Divulgação

Com o titulo “Trajetória e perspectiva do déficit e da dívida pública do Ceará”, eis artigo de Alexandre Cialdini, o secretário do Planejamento e Gestão do Ceará. “Os sinais de alerta existem e exigem vigilância, como em qualquer gestão fiscal responsável, mas estão longe de configurar uma descida desgovernada rumo ao abismo. O caminho deve ser, sempre, o de aumentar a credibilidade das contas públicas, reforçar a responsabilidade fiscal, melhorar a capacidade preditiva e aprimorar a governança fiscal – compartilhando todas as boas práticas com os municípios cearenses, como vem fazendo o Governo do Estado por meio do programa de governança interfederativa Ceará um Só”, expõe o articulista.

Confira:

Antes de mais nada é importante esclarecer para o leitor os conceitos de déficit e de dívida pública. Na contabilidade, o déficit público representa um excesso de pagamentos em relação às receitas. No campo das finanças públicas, chamamos de déficit orçamentário a situação em que as despesas superam a arrecadação.

Nas contas do governo, o déficit pode ser classificado como déficit primário – que abrange as receitas e as despesas do governo, excluindo as despesas financeiras – e déficit nominal, que inclui também as despesas financeiras. Portanto, o déficit é um conceito econômico, financeiro e contábil que descreve a situação em que os gastos de um governo, em determinado período, contabilizados durante um ano, superam as receitas arrecadadas. Isso porque, no Brasil, o tempo do orçamento público equivale ao ano civil. De forma simplificada, o déficit público ocorre quando o governo gasta mais do que arrecada.

Já a dívida pública representa o conjunto de obrigações financeiras assumidas pelo governo para financiar seu déficit orçamentário. Essa dívida é gerada por meio da emissão de títulos públicos negociados no mercado financeiro (dívida mobiliária) ou da tomada de empréstimos junto ao setor privado ou a organismos internacionais (dívida contratual) – categoria na qual se enquadram o Ceará e a maioria dos estados brasileiros.

Na contabilidade, a dívida pública é classificada em dívida flutuante (de curto prazo) e dívida consolidada (ou fundada). Essa última corresponde ao montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras assumidas pelo ente federativo, em razão de leis, contratos, convênios, tratados ou operações de crédito com prazo de amortização superior a 12 meses. Também integram a dívida pública consolidada as operações de crédito com prazo inferior a 12 meses, cujas receitas tenham constado do orçamento.

A dívida pública consolidada é composta de:

a) emissão de títulos públicos (dívida mobiliária);
b) realização de empréstimos e financiamentos (dívida contratual);
c) precatórios judiciais emitidos a partir de 5 de maio de 2000 e não pagos durante a execução do orçamento em que tiverem sido incluídos;
d) operações equiparadas a crédito pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para amortização com prazo superior a 12 meses.

Vale destacar que o Ceará não tem dívida mobiliária. Há consenso em finanças públicas de que manter a dívida pública sob controle é fundamental para garantir a continuidade dos serviços públicos e dos investimentos.

Na economia e nas finanças públicas, há um conceito extremamente importante que é o marco intertemporal, que se refere às escolhas presentes com impactos futuros. Um exemplo é a decisão de poupar agora para ter mais adiante ou consumir no presente e ter menos no futuro. Esse conceito está associado ao chamado equilíbrio dinâmico da
economia — situação em que variáveis como receita, despesa e dívida mudam ao longo do tempo, mas mantêm uma relação constante ou previsível entre si, ajustando-se continuamente para manter um estado de equilíbrio.

O conceito de equilíbrio dinâmico foi largamente estudado pelos economistas John Hicks (Prêmio Nobel de Economia, 1972) e Paul Samuelson (Prêmio Nobel de Economia, 1970). Ambos foram pioneiros na incorporação de considerações temporais e dinâmicas na análise de equilíbrio, desenvolvendo modelos que explicam como as economias evoluem ao longo do tempo, indo além da análise de equilíbrio estático.

Em novembro de 2024, o Ceará recebeu, pela primeira vez, nota A de Capacidade de Pagamento (Capag) da Secretaria do Tesouro Nacional (Portaria STN no 16.146/2024). Essa classificação é conferida apenas a entes com níveis confortáveis de endividamento, poupança corrente e liquidez. Ela indica que o risco de crédito do Estado é hoje considerado muito baixo pela própria STN – órgão que pode vetar novos empréstimos. Com isso, o Ceará passou a negociar melhores oportunidades de financiamento e operações de crédito interno e externo com instituições financeiras nacionais e multilaterais.

A Capag avalia a situação fiscal de estados e municípios que desejam contrair novos empréstimos com garantia da União. Seu intuito é apresentar, de forma simples e
transparente, se um novo endividamento representa risco de crédito para o Tesouro Nacional. A metodologia do cálculo, determinada pela Portaria Normativa MF no 1.583, de 13 de dezembro de 2023 (com alteração promovida pela Portaria MF no 1.764, de 6 de novembro de 2024), é composta por três indicadores: endividamento, poupança corrente e índice de liquidez.

Logo, avaliando o grau de solvência, a relação entre receitas e despesas correntes e a situação de caixa, é possível diagnosticar a saúde fiscal de estados e municípios. Os conceitos, variáveis utilizadas e os procedimentos adotados na análise da Capag estão definidos na Portaria STN no 217, de 15 de fevereiro de 2024. Os dados estão disponíveis para consulta pública em:
<https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/capacidade-de-pagam ento-capag>.

Antes, portanto, de se falar em “bola de neve financeira”, vale lembrar que o Tesouro Nacional endossou a solvência cearense com seu carimbo mais alto. O Balanço Geral do Estado de 2024, disponível em: <https://cearatransparente.ce.gov.br/portal-da-transparencia/paginas/balanco-geral-do-estado?__=__#>, reforça esse quadro ao apontar um superávit financeiro superior a R$ 6,6 bilhões. Essa reserva de caixa permite acomodar déficits fiscais pontuais sem recorrer a cortes abruptos de serviços públicos.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2026, de fato, projeta um déficit primário de R$ 2,33 bilhões em 2026, mas antecipa uma queda acentuada já em 2027 (R$ – 258 milhões), com retorno ao superávit em 2028 (R$ 201 milhões). Aliás, nos últimos três anos – incluindo 2025 –, o resultado primário vem melhorando significativamente, com destaque para o primeiro quadrimestre de 2025, que registrou o melhor desempenho em 15 anos. (Ver Relatório de Gestão Fiscal – RGF : <https://cearatransparente.ce.gov.br/portal-da-transparencia/paginas/fiscal-management-rep ort?__=__>.

O Ceará registrou uma Dívida Consolidada Líquida de 27,6% da Receita Corrente Líquida (RCL), muito abaixo do teto de 200% permitido. Para se ter uma ideia do grau de endividamento, os quatro maiores estados da Federação são também os que apresentam os maiores níveis de dívida. Em ordem crescente: São Paulo (119%); Minas Gerais (151%); Rio Grande do Sul (179%) e Rio de Janeiro (199%) – esse último “batendo na trave” e já em situação de inviabilidade para obtenção de novas operações de crédito. O investimento realizado no primeiro quadrimestre de 2025 atingiu R$ 830 milhões, o maior valor já registrado para o período no Estado. Com o contínuo aprimoramento da administração tributária, voltado ao combate às evasões fiscais, tem-se promovido o
incremento da receita. Simultaneamente, o controle das despesas a partir do orçamento tem gerado maior racionalidade no gasto público. Os dados de endividamento dos estados e municípios estão disponíveis no Painel de Endividamento dos Entes Subnacionais, acessível em: <https://www.tesourotransparente.gov.br/visualizacao/painel-de-endividamento-dos-entes-su bnacionais>.

A respeito da gestão eficiente dos gastos, a Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag-CE) estruturou um sistema de monitoramento e acompanhamento da execução orçamentária que permitiu o remanejamento das dotações de forma tempestiva e a racionalização do uso devido da despesa empenhada. Em 2024, o Estado atingiu o melhor nível de execução orçamentária (98,7%) e o maior nível de investimento em Ciência e Tecnologia, superando a barreira de 3% do Orçamento. Além disso, o órgão implementou medidas para otimizar o direcionamento do gasto social, identificando áreas em que a alocação de recursos seja mais efetiva, tanto nos gastos correntes quanto nos investimentos.

Não há, portanto, uma “trajetória explosiva da dívida”. O que existe é um pico, que começará a ser amortecido já no exercício seguinte, resultado de uma estratégia voltada à ampliação dos investimentos. Dos R$ 830 milhões investidos, 56% são provenientes do Tesouro Estadual, o que tem contribuído para que o Ceará registre um crescimento econômico acima da média nacional — em alguns períodos, quase o dobro.

A vigilância continua sendo obrigatória. Todavia, confundir um déficit pontual — ancorado em projetos que elevam a base produtiva — com uma rota de insolvência permanente é como confundir volatilidade conjuntural com um desequilíbrio estrutural persistente. Importa mencionar que a economia cearense registrou, em 2024, um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 6,49%, quase o dobro do PIB do Brasil, que foi de 3,4%. Trata-se do melhor resultado desde 2010 e o quarto melhor desde 2003.

O PIB é composto por três setores: Serviços, Indústria e Agropecuária. No caso do Ceará, a Agropecuária alcançou 25,16%; a Indústria, 10,65%; e os Serviços, 4,28%. No quarto trimestre do ano passado, por exemplo, o PIB cearense apresentou uma expansão de 5,99% em relação ao mesmo período de 2023, superando o crescimento nacional, que fechou em 3,6%. Quando comparado o quarto trimestre de 2024 com o terceiro trimestre do mesmo ano, o avanço foi de 0,54%, superior ao PIB brasileiro, que ficou em 0,2%.

Considerando os últimos quatro trimestres — incluindo o primeiro de 2025 — o Ceará acumulou um crescimento de 6,33%, acima da média nacional (3,5%) e superior ao desempenho de estados como Minas Gerais (2,6%), Paraná (3,74%) e São Paulo (3,4%), nas mesmas bases comparativas.

O Anexo de Metas Fiscais do PLDO mostra que a carteira de projetos estruturantes deve somar R$ 4,4 bilhões em 2026, incluindo: a implantação da Linha Leste do Metrô de Fortaleza, a duplicação do Eixão das Águas, a construção dos hospitais regionais de Crateús, Iguatu e Baturité, além de barragens, adutoras e da expansão do Sistema Adutor Banabuiú–Sertão Central. São obras com começo, meio e fim, cujo cronograma justifica o salto da despesa de capital até 2026. Importante destacar que, mesmo com esse volume de investimentos, a dívida consolidada projetada para 2026 resultará em um indicador Dívida/RCL de 50,1 %, ainda muito abaixo do teto de 200% previsto pela Resolução 40/2001 do Senado.

Em outras palavras, o controle do gasto, a melhoria na arrecadação e a busca por boas oportunidades de financiamento devem fazer parte da ação planejada do Estado. Mesmo com larga margem legal diante do nível atual de endividamento, projeta-se para 2026 uma tendência de redução da Dívida Consolidada, conforme previsto no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Em relação especificamente ao empréstimo em iene (moeda japonesa), o Governo do Estado obteve uma operação altamente vantajosa, dada a estabilidade de longo prazo da moeda japonesa. Essa experiência despertou o interesse de outros estados, que passaram a buscar mais informações sobre o modelo adotado pelo Ceará.

Essa operação se assemelha ao que o mercado financeiro denomina de carry trade, estratégia em que se carrega (carry) um empréstimo a juro baixo – neste caso, com um banco japonês – para aplicação em um ambiente de juro alto, como o Brasil, gerando ganhos cambiais. Com essa iniciativa, o Ceará obteve uma economia de, aproximadamente, R$ 1 bilhão no serviço da dívida, trocando dívida cara de curto prazo por dívida barata de longo prazo.

Portanto, falar em “roteiro perigoso” ignora três fatos centrais:
1. A chancela de solvência “Capag A”, concedida pela STN;
2. O lastro de superávit de caixa já acumulado;
3. O caráter temporário do déficit primário, associado a obras que, uma vez concluídas, ampliarão o potencial de crescimento da economia cearense e da Receita Corrente
Líquida.

Os sinais de alerta existem e exigem vigilância, como em qualquer gestão fiscal responsável, mas estão longe de configurar uma descida desgovernada rumo ao abismo.

O caminho deve ser, sempre, o de aumentar a credibilidade das contas públicas, reforçar a responsabilidade fiscal, melhorar a capacidade preditiva e aprimorar a governança fiscal – compartilhando todas as boas práticas com os municípios cearenses, como vem fazendo o Governo do Estado por meio do programa de governança interfederativa Ceará um Só.

O programa oferece oportunidades de formação e capacitação em diversas áreas da gestão governamental e das finanças públicas, destinadas a todos os municípios e à sociedade.

Mais informações estão disponíveis nos sites da Seplag-CE e da Escola de Gestão Pública do Ceará (EGPCE).

*Alexandre Sobreira Cialdini

Economista, pós-doutor em Administração e Políticas Públicas e secretário de Planejamento e Gestão do Ceará.

Eliomar de Lima: Sou jornalista (UFC) e radialista nascido em Fortaleza. Trabalhei por 38 anos no jornal O POVO, também na TV Cidade, TV Ceará e TV COM (Hoje TV Diário), além de ter atuado como repórter no O Estado e Tribuna do Ceará. Tenho especialização em Marketing pela UFC e várias comendas como Boticário Ferreira e Antonio Drumond, da Câmara Municipal de Fortaleza; Amigo dos Bombeiros do Ceará; e Amigo da Defensoria Pública do Ceará. Integrei equipe de reportagem premiada Esso pelo caso do Furto ao Banco Central de Fortaleza. Também assinei a Coluna do Aeroporto e a Coluna Vertical do O POVO. Fui ainda repórter da Rádio O POVO/CBN. Atualmente, sou blogueiro (blogdoeliomar.com) e falo diariamente para nove emissoras do Interior do Estado.

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