Com o título “Trump II e o risco da normalização”, eis artigo de Valdélio Muniz, jornalista, analista judiciário do TRT7, mestre em Direito Privado, membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC) e professor de Direito da Faculdade Dom Adélio Tomasin (Fadat-Quixadá). “Sim, ninguém em juízo normal haveria de esperar de Trump qualquer manifestação em defesa de direitos humanos ou algo similar”, expõe o articulista.
Confira:
As primeiras medidas adotadas pelo recém-iniciado Governo Donald Trump II, nos Estados Unidos, aliadas às declarações do novo dirigente norte-americano, embora previsíveis em grande parte, têm chocado alguns (poucos) observadores pelo grau de ousadia (no mau sentido do termo). Apesar de claramente questionáveis e lamentáveis, muitas delas preocupam não apenas pelo efeito imediato, sobretudo ao atingir públicos vulneráveis como os imigrantes. Devem incomodar, também, pelo receio de normalizar aberrações.
A preocupação procede para quem, no Brasil, assistiu cotidianamente, ao longo do governo passado, às declarações mais absurdas do detentor do mais alto cargo político no País (não à toa ferrenho defensor de Trump). Quando o mau exemplo parte de quem está no topo o estrago tende sempre a ser maiorpartindo-se da ideia de que, se o presidente disse ou fez, todos podem replicar porque não é nada vergonhoso (por mais que seja, sim!), inclusive afirmar que é apenas o resto do mundo que mais precisa dos americanos (um completo processo de colonialismo cultural e ideológico).
E é bom que se diga: não se está aqui a criticar ou lamentar medidas de ordem meramente interna daquele País. Tratam-se de ações com impactos que começam no interior do País, alcançam suas fronteiras e vão muito além delas. Ao determinar uma operação de guerra contra os imigrantes, inclusive com a tentativa (felizmente barrada, ao menos momentaneamente, pelo Judiciário local) de incluir nas deportações até mesmo filhos de imigrantes ilegais nascidos nos EUA (possuidores, segundo a constituição, de cidadania automática), passa-se o claro recado de que, independentemente de estar oferecendo sua força de trabalho ao País, o imigrante ilegal deva ser, de cara, considerado criminoso.
Sim, ninguém em juízo normal haveria de esperar de Trump qualquer manifestação em defesa de direitos humanos ou algo similar. Mas fazer do combate a este segmento populacional e social com forte presença no País um “demarcador” do início de um (velho) “novo tempo”, generalizando imigrantes ilegaiscomo criminosos, chega a ser por demais covarde e ecoa na reprodução de um discurso inconsequente e desumano entre aqueles que o seguem e o admiram. De nada hão de valer os exemplos de países queacolhem cidadãos de outras nações sensíveis aos apelos de organizações humanitárias.
Nenhuma parcimônia mínima teve Trump ao retirar o País da Organização Mundial da Saúde (OMS), revogar medidas de inclusão racial e de gênero (o presidente fez questão de frisar que seu país só reconhece dois gêneros, homem e mulher) e retroceder significativamente no combate às mudanças climáticas. A lógica que rege a ultradireita é sempre a mesma: negar que haja riscos reais à preservação do meio ambiente mundial, negar que segmentos populacionais menos favorecidos devam ser fortalecidos (pois, isso sim, representaria, para ela, alimentar o “inimigo” e prejudicar o establishment – assim considerada a elite econômica, social e política – mais conservador, tal qual o presidente que, para o mal, tão bem o representa).
Negacionismos deste tipo já tivemos oportunidade de testemunhar por aqui, tanto em relação a questões ligadas à saúde quanto ao meio ambiente, ao protecionismo econômico e às questões de gênero, raça, etnia, com danos por vezes irreversíveis. Que o digam as milhares de mortes pela Covid-19, dada a demora e claro desinteresse em buscar vacinas e a resistência às medidas de isolamento social (extremamente necessárias), em total desrespeito à ciência e aos estudiosos e pesquisadores. Com a boiada passando sob a batuta de quem deveria contê-la, comunidades indígenas foram aqui desrespeitadas em suas terras para atender à ânsia de exploradores que enxergavam a “janela de oportunidade” a aproveitar.
Por falar em seguidores e admiradores, na mesma toada, Trump tratou de, com uma de tantas canetadas, anular as penas de quase todos os 1.500 condenados pela invasão do Capitólio revoltados com a confirmação do resultado eleitoral anterior (contrário a ele, obviamente). Falar dos depredadores e agressores de policiais que atuaram para conter os ânimos naquela ocasião faz, inevitavelmente, recordarmos o que aqui se verificou em 8 de janeiro de 2023 e que, não à toa, também é foco de inúmeros apelos por anistia, advindos, é claro, de integrantes das mesmas correntes ultradireitistas. Assim como aqui, lá também policiais (agora decepcionados com as medidas em favor dos que os agrediram) declararam apoio por suas entidades representativas ao retorno de Trump. Percentuais expressivos de eleitores imigrantes defenderam a campanha republicana. Dissertar sobre as razões (políticas, educacionais, psicológicas etc) por que as vítimas dão apoio irrestrito aos seus algozes, porém, exigiria muitos outros artigos. Com o controle atual da narrativa pela elite representada por Trump e o apoio das big techs, donas e operadoras das principais redes sociais mundo afora, o tamanho do estrago tende a ser imensurável.
*Valdélio Muniz
Jornalista, analista judiciário do TRT7, mestre em Direito Privado, membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe/UFC) e professor de Direito da Faculdade Dom Adélio Tomasin (Fadat-Quixadá).
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