“O brasileiro é realmente um povo com carma pesado. Depois de enfrentar tantas ditaduras, governos corruptos, pandemia, golpes diários contra o bolso, e até já estar acostumado com gasolina ‘batizada’ de alguns postos, essa agora de bebida falsificada foi demais”, aponta o jornalista Paulo Rogério
Confira:
Alerta geral emitido entre os papudinhos da Parquelândia. O povo está em polvorosa total no Bar do Careca diante das recentes notícias da falsificação de bebidas. O próprio Careca convocou os frequentadores mais assíduos para uma assembleia geral para discutir o que seria feito. A situação exigia uma medida emergencial urgente a ser tomada antes que o último reduto de boêmios da periferia oeste de Fortaleza fosse relegado à extinção.
A chamada foi feita para o mesmo dia, a coisa exigia urgência. O salão estava apinhado de personagens etilicamente conhecidos da vizinhança. Figuras ilustres como o Dr. Data Venha, o Bigode Vermelho, Paulo Dedim e Zé Canela, estavam presentes. Até mesmo o Bastião Pé de Mesa, que andava meio afastado por conta de problemas no fígado, fez questão de prestigiar o conclave. A zoada no local era grande. Ninguém entendia ninguém. Vez por outra um gritava mais alto: “Bora tomar uma”. E logo era vaiado, para surpresa geral dos vizinhos do bar que, curiosos, assistiam ao memorável evento.
Por ordem do Careca, a venda de bebidas estava suspensa naquele momento. Sabiamente ele decidiu que ninguém poderia sair dali direto para o hospital. A luta era maior que alguns poucos goles. Estava em jogo a sobrevivência de uma classe unida. A mulherada agradeceu a decisão. Era a primeira vez, em anos, que muitos ali iam ao bar e conseguiriam voltar sóbrios. E andando sem bater nos muros e portões. Triste sonho!
“É preciso fazer um comunicado, em cadeia nacional, exigindo punição” protestou com veemência Leo Goteira. Aplausos! “E sem esse negócio de anistia geral” emendou o anão Getúlio. “Iieeeeiii!” gritou um gaiato lá do fundo. Careca teve que ser enérgico para organizar a patuleia. Na falta de um sininho, acabou quebrando a garrafa de tanto bater com uma colher para chamar a atenção. Só conseguiu findar a algazarra quando largou no chão a tampa da panela da buchada que estava no fogo. “Pelo amor de Deus, homem, cuidado com o tira-gosto” alertou o eterno morta-fome do Didi Panelada.
A reunião prosseguiu por longos 45 minutos entre protestos contra Governo, contra a Liga das Mulheres Casadas, contra a ganância dos comerciantes, contra as facções, os fabricantes de bebidas, Lula, Bolsonaro e Donald Trump . Sobrou para todo mundo. Até para o Pastor evangélico da outra esquina, defensor da abstinência alcoólica total.
O desabafo mais tocante foi do Nestor, pai de santo famosos do bairro, afetado diretamente em seus trabalhos pelo perigo da intoxicação por metanol dos caboclos. Também pudera. A frequência no terreiro caiu muito depois que cachaça virou ameaça para os cavalos aceitarem incorporações. E Exu não gosta desse negócio de bebida sem álcool não!
O brasileiro é realmente um povo com carma pesado. Depois de enfrentar tantas ditaduras, governos corruptos, pandemia, golpes diários contra o bolso, e até já estar acostumado com gasolina “batizada” de alguns postos, essa agora de bebida falsificada foi demais. “Tomar uma” é uma mania nacional, cultural e diria até questão genética. Falsificar é um acinte à soberania brasileira.
Quanto à reunião, ela terminou com uma decisão paliativa, apesar da reclamação do pessoal com problemas de próstata e ácido úrico. Enquanto os casos de uso do metanol permanecerem el alta, somente haverá ali consumo de cerveja. E em lata. E foi assim que terminou o encontro. Com muita cerveja e vitória do Ceará e Fortaleza no telão.
Paulo Rogério é jornalista (paulorogerio42@gmail.com)