“Desconfio que a velha máxima de que tudo é política deu lugar ao tudo é convencimento”, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório. Confira:
O amigo Afonso está de passagem na cidade e telefona propondo um jantar. Estou sem tempo, físico, emocional. Ando adoentada, não sei se virose ou melancolia. Contudo, Afonso é um amigo que não se adia. Aceito. Ficamos de combinar. Fim de tarde ele envia um recado. Trabalho encerrado mais cedo, a ideia é um copo no bar do hotel onde se hospeda, perto da minha casa. Coisa cedo, nada de farra.
Numa mesa junto à piscina, encontro o meu amigo desanimado. Propõe uma pauta para o papo. – Nada de política- pede. -Não sei como você consegue não falar em política, numa altura destas! – protesto. – Não sei como você consegue só falar de política – devolve. – Política é vida, está em tudo- insisto. E seguimos.
Recordo que adverti, há vinte anos, que a descrença crescia entre as pessoas, ditas comuns, que escuto no meu ofício de pesquisadora. Desconfio que a velha máxima de que tudo é política deu lugar ao tudo é convencimento. Aparentemente sobrou o vale tudo, qualquer discurso inflamado conquista os eleitores, abandonados, acríticos, desesperados, com carradas de razão.
Afonso mira-me entediado. Sorri. Um consolo. Uma gentileza. Melhor mesmo buscar outro assunto. Pergunto dos seus dias, dos livros que leu recentemente. Conta que relê os clássicos russos, intercalados com duas autoras italianas que não conhecia. Só que nada nos entusiasma. Nem a literatura, nem as novidades dos filhos, nem o Pôr do Sol que se impõe a despeito da dor que nos fere a alma e a fantasia.
O silêncio que é uma conversa que só a amizade proporciona, instala-se. Nossos olhares voltam-se para as crianças chapinando na água, docemente barulhentas, no início de noite já chegada. Sinto imensa gratidão por conseguir escrever. Por quem me lê com dedicada atenção.
Vem-me a imagem do Pavão Misterioso da lenda sertaneja. Mesmo sendo um pavão, tem no voo o mistério e a força. Por onde andará?
Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS
Uma resposta
O seu amigo Afonso, é o Celso? Eu adoro ele, e adorei as suas palavras. Como sempre você faz u texto muito bom de ler!