Com o título “A PEC da Impunidade”, eis artigo de Francisco Wildys Oliveira, economista e especialista em Direito Tributário e membro do Conselho Curador da Fundação SINTAF. “(…) a aprovação da nova PEC representa retrocesso histórico, por fragilizar a responsabilização de agentes públicos e contrariar compromissos internacionais firmados pelo país em defesa da dignidade humana e da justiça”, expõe o articulista.
Confira:
A Lei Maria da Penha surgiu após a condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em razão da omissão estatal no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de duas tentativas de feminicídio em 1983 que a deixaram paraplégica. A pressão internacional e a mobilização social resultaram na criação de normas voltadas à prevenção e punição da violência doméstica.
Hoje a sociedade novamente se mobiliza, desta vez contra a chamada “PEC da Blindagem”, aprovada pela Câmara Federal. A proposta altera o art. 53 da Constituição, já modificado pela EC nº 35/2001, que permite processar parlamentares por crimes cometidos após a diplomação, sem necessidade de autorização da Casa legislativa. A EC nº 35/2001 nasceu como resposta à condenação do Brasil pela Corte Interamericana no caso Márcia Barbosa de Souza. Em 1998, a jovem foi assassinada pelo então deputado estadual paraibano Aécio Pereira de Lima, que se escudou na imunidade parlamentar.
A Assembleia Legislativa bloqueou o processo criminal, só viabilizado após a promulgação da emenda em 2001. Mesmo condenado a 16 anos por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, o parlamentar nunca cumpriu pena, recorrendo em liberdade até falecer em 2008. O caso “Barbosa de Souza vs. Brasil” foi submetido à Corte Interamericana em 2019, com sentença em 2021. A decisão reconheceu que a imunidade parlamentar, tal como prevista na norma interna, gerou atraso discriminatório no processo penal.
Diante disso, o Estado brasileiro foi compelido a adequar seu ordenamento ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, assumido com a adesão ao Pacto de San José da Costa Rica. Assim, a aprovação da nova PEC representa retrocesso histórico, por fragilizar a responsabilização de agentes públicos e contrariar compromissos internacionais firmados pelo país em defesa da dignidade humana e da justiça.
*Francisco Wildys de Oliveira
Economista e especialista em Direito Tributário, membro do Conselho Curador da Fundação SINTAF
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