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“A terra do nunca”

Ainda que não mais seja
Tuty Osório é jornalista e escritora

Trabalho é benção. Quando tem eu agarro. Feliz que o Afonso pode viajar por um tempo longo. Sonho muito com isso“, aponta a jornalista e publicitária Tuty Osório

Confira:

O amigo Afonso está num período sabático. Viajando a esmo, inicialmente. De hora marcada já basta. Esteve no Uruguai, esteve no sul brasileiro pós devastação. Fica pra lá e pra cá e veio parar cá. Nesta época do ano eu evito viajar por causa das festas. Mentira. Já viajei antes, nesta época, para trabalhar. Trabalho é benção. Quando tem eu agarro. Feliz que o Afonso pode viajar por um tempo longo. Sonho muito com isso. 

Afonso aporta por aqui e telefona. Está na praia de Águas Belas e me convida para ir e ficar até o dia seguinte. Como já confessei antes, Afonso é um amigo que não se adia. Vou. Águas Belas é praia perto de Fortaleza. Dá pra chegar de UBER sem susto. Encontrar o Afonso vale muito. O papo flui e me faz sentir acolhida. Pode até ser que não seja a verdade. Mas acreditar é tão bom!

O amigo está em intervalo, só que mergulha na filosofia. De Foucault a Marx tudo vale. Eu saboreio cada sentença. É tão difícil ter interlocução que mesmo sendo papo de teoria eu topo. Sem nem ter certeza se é tanta teoria assim. Sim, concordo que o poder também emana da base. Que a base é a única realidade. Quando penso que tem gente rejeitando o filme do Walter Salles fico desesperada. Nada a ver com a conversa. Enfim.

Afonso toca num assunto para minha desgraça. Defende que se houver aumento da renda das famílias a inflação dispara e é ruim para a economia. Irritada, disparo que seu pensamento é neoliberal, contra a classe trabalhadora. Ofendido, revida que o meu discurso é da década de 60, decadente e fora de todas as visões contemporâneas. Protesto que estou cansada de rótulos, ele desdenha, questionando que o rotulei sem piedade.

Peço paz. Afinal o objetivo não era briga. Era troca, conversa boa, daquelas que a gente nem vê o tempo passar. Desculpas mútuas, tentamos as amenidades nas quais somos fracos. Mais um por do sol em silêncio só que desta vez rimos de nós. Confesso que não entendo nada de economia. Ele admite que não é exatamente como defendeu. Que, de fato, não faz muito sentido que as coisas artificiais comandem a vida de gente.

Braçadas na piscina do hotel, uma taça de vinho branco com umas gotinhas de limão e encomendamos o jantar na varanda. Falamos do último lançamento da Editora Boitempo, de Dalton Trevisan, dos Veríssimos e de Juan Carlos Onetti, o uruguaio que romantizava o suicídio. A tristeza flerta. Espantamos a ameaça com mais risadas de nossa afetada intensidade. Esse esconde, esconde de temas incomoda um pouco e voltamos ao silêncio. Rompido por novas risadas quando comento que o vermelho do céu está meio carregado, parece até que baixou uma expansão de índices crepusculares.

Tuty Osório é jornalista, publicitária, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. Lançou em 2022, QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos); em 2023, MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA (10 crônicas, um conto e um ponto) e SÔNIA VALÉRIA A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho); todos em ebook, disponíveis, em breve, na PLATAFORMA FORA DE SÉRIE PERCURSOS CULTURAIS

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