Em uma lição da Escola da Vida, o professor universitário Fernando de Carvalho traz a história da cearense Maria Ximenes Aguiar Fernandes.
Confira:
Eu me chamo Maria Ximenes Aguiar Fernandes e nasci no dia 2 de novembro de 1933, em num lugarejo chamado Coité dos Capistranos, no interior do Ceará. Sou filha de Luíz e Vicência, ou melhor, de Cenoca, como era conhecida. Meus pais eram pessoas simples e trabalhadoras, que me ensinaram desde cedo que a riqueza maior da vida é a família.
Em 1943, quando eu tinha apenas 10 anos, nossa vida deu uma guinada. Meus pais foram convocados a se mudar para o norte do Brasil, em meio à guerra, para trabalhar nos seringais do Acre, que mais tarde seriam conhecidos como os “Soldados da Borracha”.
Logo cedo, no caminho para o Acre, conheci de perto a grande Dor da Perda pela primeira vez – quando vi meu irmão mais novo partir nos meus braços, vítima da Febre Amarela, e depois ter seu corpo depositado aos cuidados de um rio… Nunca me esqueci desta dor, mal sabendo que seria visitada por ela outras vezes na vida.
Naquela época, tudo era incerto e assustador. Foi quando comecei a entender o que era a vida: que apesar de tudo, precisamos enfrentar dificuldades com o coração cheio de fé e esperança em Deus.
Por volta de 1945, conheci o Michico. Ele era um homem forte e trabalhador, e nosso encontro aconteceu de forma inesperada. Eu estava ajudando a cuidar dos gêmeos da irmã dele quando nossos olhares se cruzaram. Ele me pediu em casamento, mas meu pai, sempre tão protetor, disse que eu ainda era muito jovem. Esperei, e aos 16 anos, em novembro de 1949, finalmente nos casamos. Começamos nossa vida juntos em uma casa simples de palha, no meio da mata dos seringais. Eu tinha medo das onças e outros animais, mas ao lado dele, e protegidos por Deus, me sentia segura.
Nosso primeiro filho, Luiz, nasceu em 1953. Eu estava grávida quando voltamos para Frecheirinha. Não foi uma gravidez fácil, mas a alegria de segurar meu bebê nos braços fez tudo valer a pena. Minha família foi crescendo: vieram José Maria, que Deus levou cedo, Fátima, Carlos, Bernardete – que também partiu ainda pequena –, Miramar, Wilson, Benedito, Ednaldo, Lurdes, Ednáuria, Manuel Régis e Manuel Reginaldo (os gêmeos prematuros que infelizmente só tiveram uma semana de vida), seguidos pelo caçula: José Airton. Cada filho e filha trouxe sua própria história e desafios, mas isso seria história para outra conversa…
Enfim, a vida não foi fácil. A perda de alguns de nossos filhos deixou uma marca profunda no meu coração diversas vezes. Mesmo assim, segui em frente, cuidando da família com tudo o que tinha. Quando Michico foi trabalhar na construção de Brasília, fiquei em casa com os filhos, enfrentando os dias de trabalho duro e saudade. Lembro que neste período foi que nasceu a Mira, uma criança tão forte e grande que até espantou até a parteira.
Cuidar dos outros sempre foi minha missão. Ajudei minhas cunhadas a criar seus filhos. Ajudei meus filhos e filhas a cuidar de meus netos. E eu mesma cuidei dos meus sogros até o último suspiro deles. Não era fácil, mas eu sabia que amor se demonstra nas pequenas coisas do dia a dia: um prato de comida, um copo de caldinho, uma mão estendida. Nunca tive muito, mas sempre compartilhei o que podia. Deus me ensinou que é dando que se recebe, e eu vivi essa verdade.
Em 2013, perdi meu grande companheiro de vida, Michico. Ele partiu depois de lutar contra um câncer, e a saudade dele nunca deixou de me acompanhar. Mesmo assim, agradeci a Deus por todos os anos que tivemos juntos e pela família que construímos. Foram 91 anos de uma vida simples, mas cheia de amor e significado.
Nos meus últimos dias, lamentei não ter tido a oportunidade de frequentar a escola e estudar. Mas segundo as palavras de um dos meus netos, fui formada pela Escola da Vida. Ele disse que eu seria uma excelente professora das disciplinas da Bondade e da Caridade, e que Deus, o grande Diretor desta Escola, certamente teria muito orgulho do meu trabalho, pois “dei de comer a quem tinha fome, e de beber a quem tinha sede”. Sei que não fiz tudo quanto gostaria, mas tenho certeza que fiz tudo o que pude, e dei sempre o meu melhor.
No meu último dia, cercada pelos meus filhos, netos, bisnetos, e amigos, senti que minha missão estava cumprida. Ver minha família reunida me deu a paz que eu precisava para descansar, pois entendi que os valores que plantei seguirão vivos em cada um deles. Parto em paz, deixando para trás o testemunho de uma vida vivida com simplicidade, dedicação e amor.
Aqui se encerra minha história, mas meu legado viverá nos corações daqueles que amei e cuidei. Obrigada por me permitirem ser parte das suas vidas.
Amo vocês para sempre e para sempre sentirei o amor de você por mim.
Com amor,
Maria Ximenes.
Reprodução de Fernando de Carvalho Parente Junior
Professor na UFC
Dep. de Letras Libras e Estudos Surdos (DELLES)
Respostas de 4
Maravilhoso,
Sentirei eternas saudades de minha amada vozinha Maria 🥹🙏🏻
Ela foi uma mulher que soube cumprir sua missão com amor e doçura!🥰🙏🏻😢
História linda da minha tia.
Sou do Acre,filha de Raimunda Ximenes… não tive o prazer de conhece-la,mais sei que era muito amorosa!#
Seu amor irá Perpetuar