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Em tempos de guerra, nunca pare de lutar – Por Mirelle Costa

Padre Fábio de Melo revelou os desafios que tem enfrentado novamente contra a depressão. A casa do ferreiro pode, sim, ter um espeto de pau. A pergunta é: – Quem escuta quem escuta? Quem cuida de quem cuida? Se um padre não pode ter depressão, um médico não pode adoecer e um advogado não deve precisar ser defendido. Como lidar com nossas incoerências e limitações? Por que é tão difícil nos aceitarmos como gente? Vamos parar pra pensar: Imagine uma esponja. Agora imagina a quantidade de histórias tristes que um padre escuta e absorve, quantos pedidos de ajuda um padre recebe a cada minuto. Estamos vivendo o tempo da não escuta. Como bem disse Rubem Alves, queremos aprender a falar, mas não nos preocupamos pra saber ouvir, por isso existem mais cursos de oratória do que de escutatória.

Uma amiga querida disse estar com crise de ansiedade. E eu disse: E quem não está? Talvez alguns só fingem melhor e outros preferem nem fingir. A dor pode ser um espelho. Ao nos depararmos com ela no outro, ela parece nos ver também, em nós, e com esse bumerangue pouca gente quer brincar. Às vezes, é melhor colocar uma música aleatória, mais rasa que um pires, e, simplesmente, esquecer aquele sofrimento. Alienar-se mesmo. E isso nem é ruim. Tudo na vida depende da medida. Uma decisão importante é, decidir, escolher, em algum momento, encarar essa dor, seja ela qual seja, assim de frente, mesmo. Puxar uma cadeira pra ela e silenciar para ouví-la. A minha dor me diz tanto e nem tudo o que ela me diz eu tô preparada pra ouvir.

Reze pelo padre, coloque ele em suas orações, mas não esqueça o coleguinha adoecido no seu trabalho que às vezes está ao seu lado e você não acolhe e, pior, ignora ou aquele parente que sofre, mas você continua falando mal dele no grupo da família. Foi o Padre Fábio quem me ensinou muitas coisas. Uma delas é que o sofrimento é individual. Por mais que estejamos cercados de pessoas que nos querem bem, esse caminho é solitário, mas pode ser mais curto ao vermos mãos estendidas. Ninguém é sommelier de dor, portanto, amiguinho/a, cada um sofre a dor que conhece, não existe dor menor nem maior.

Para quem não sabe, meu livro de crônicas “Não Preciso Ser Fake”, publicado em 2022 e selecionado no edital de aquisição da Secult Ceará pela Lei Paulo Gustavo é dedicado ao Padre Fábio de Melo. Depois de ler “A Hora da essência” e me envolver profundamente com as histórias de Ana e Sofia, tomei coragem para escrever meu livro, pois aprendi que eu não preciso ser a Michelle Obama nem a Viola Davis para me sentir capaz de escrever um livro. Num país em que brasileiro não gosta de artista, mas gosta de famoso (obrigada, Bráulio Bessa), eu não sou ninguém, mas receber dezenas (centenas já) de depoimentos emocionados com a minha escrita faz eu sentir a mesma alegria que o autor de um livro best seller também já sentiu (e talvez até com mais liberdade :P).

(O maestro e trombonista, Rômulo Santiago, entregou meu livro para o Padre Fábio de Melo)
(O maestro e trombonista, Rômulo Santiago, entregou meu livro para o Padre Fábio de Melo)

Na minha dedicatória, eu digo que o padre me ajudou a ficar na essência. Por isso eu discordo completamente daquela frase de parachoque virtual de caminhão que diz: – Seja a sua melhor versão (ainn que preguiça).

Meu amigo, no ano passado, em 2024, a minha melhor versão foi a que eu me via em um luto inimaginável, estava toda estrupiada (no bom cearensês, com “i” sem a correção ortográfica automática), mas era o melhor que eu podia ser, naquele momento e eu fiz questão de viver intensamente, sem fugir. A minha melhor versão era a mais genuína.

E se ano passado eu morri, talvez, esse ano eu não morra, mas uma coisa é certa: Eu não parei de lutar.

E se eu pudesse dizer algo pro padre, recitaria um trecho da música de uma amiga nossa em comum, a cantora Kell Smith:

Quero aprender a sentir pra não fugir
Que eu seja mais feliz do que pareço
Mais forte do que penso, menos inimigo de mim
Porque o que é meu, me pertence
E o que não é, deixo ir
Eu sei que crescer doi, mas não mais que diminuir pra caber
Então eu me liberto, me amo e me vivo
Amém, (com acento ou sem)

Estamos no janeiro branco, mês que tem como objetivo alertar a população sobre a importância de cuidar do bem-estar emocional, sensibilizar a comunidade para a importância do bem-estar psicológico, estimular a busca por cuidados especializados quando necessários e prevenir doenças como ansiedade, depressão, pânico e transtornos originados pelo estresse.

A leitura desempenha um papel importante nessa busca. Abaixo, indico dois livros para quem quer entender mais sobre o assunto. Aproveita para indicar mais obras nos comentários.

A Redoma de Vidro, Sylvia Plath (1963)

A poetisa norte-americana saiu de seu gênero favorito para escrever este romance quase autobiográfico. É a história de Esther Greenwood, uma jovem universitária com vida social intensa e que trabalha em uma revista feminina. A narrativa é singular e vai além da doença mental.

Uma Biografia da Depressão, Christian Dunker (Paidós, 2021)

Um dos principais lançamentos dos últimos anos sobre o tema no Brasil, “Uma Biografia da Depressão” saiu há um pouco mais de tempo na comparação com os outros integrantes da lista — mas justifica a posição devido à sua relevância. Na obra, o psicanalista Christian Dunker segue à risca a promessa do título, se aprofundando na história e origem do transtorno como se este fosse uma entidade de carne e osso, um ponto de partida para entendê-la e tratá-la. Lançando mão até de documentos e arquivos reais que seriam como um “RG da depressão”, Dunker não só comprova a existência do problema como explora suas inúmeras facetas ao longo do tempo, das tragédias de Shakespeare à psicanálise do século 20. E mostra que uma só palavra não é suficiente para conter a avalanche de formas e possibilidades que o transtorno pode assumir.

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Respostas de 5

  1. Num piscar de olhos ela chega sem avisar e nem pedir licença, entra no nosso corpo sem permissão ,tirando nossa vontade de viver. Ela se chama: depressão.
    Toda ajuda é sempre muito bem vinda,pois pra muitos,”depressão é besteira”, mas NÃO É.
    Obrigada Mirelle Costa pela grande ajuda através da leitura.

  2. Um lindo Texto para nos alertar como temos que ter essa Atenção com a saúde mental!Alias a realidade que vivemos pedi essa Atenção!
    Parabéns pela escrita!

  3. como sempre vc muito cirúrgica nos textos! E essa causa deve ser levantada todos os dias! Precisamos estar bem para cuida do outro! Mais muitas vezes nos anulamos…

  4. Uma crônica para falar sobre uma dor crônica que se inicia de forma quase despercebida e vai ganhando volume e tomando espaços até o dia que se pergunta desde quando há um elefante na sala. Janeiro Branco vem para que falemos sobre esses assuntos e vários outros, sem medo, sem tabu e sem julgamentos. Das dores não curadas, não tratadas, não saradas aos cuidados que podemos ter conosco e com aqueles que estão ao nosso redor. Muitas vezes pode ser necessária uma intervenção de um psicólogo ou um psiquiatra, mas dentro das nossas possibilidades podemos não julgar, não condenar e não amplificar essa dor alheia. Seja por um gesto de gentileza, uma escuta empática, um texto acolhedor e convidativo a melhorar. Nessas horas mais densas e escuras, saber que não se está sozinho e que mesmo de longe tem alguém que se importa e torce pela gente pode ser um pontinho de luz.

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