“Os policiais, no estrito cumprimento das suas ordens, foram objeto de uma desafiadora imersão sociológica, não por propósito deliberado ou por gosto intelectual”, aponta o cientista político Paulo Elpídio de Menezes Neto. Confira:
Aí pelos anos 1968, quando os militares intervinham nas alças do poder civil, a então Faculdade de Ciências Socials da UFC, plantada no derradeiro reduto de resistência intelectual do Benfica, da qual eu era diretor, propusemos-nos a realizar um simpósio sobre Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Politico. Não era o momento mais adequado, vamos combinar, para esses audaciosos voos dialéticos…
Amigos, subversivos, infiltrados no Banco do Nordeste, ajudaram-nos a descolar uma verbazinha oculta e com esse encorajamento, com a autorização do reitor Walter Cantidio e a conivência civilizada do presidente do Banco, que suspeitavam das verdadeiras intenções subversivas do evento, mas não se importavam, levamos à frente o projeto.
Dentre os convidados, uma linhagem de cientistas sociais de primeira grandeza: Vamireh Chacon, Luiz Pereira, Hélcio Ulhoa Saraiva, Eduardo Diatahy, Jean ZIgler, João Pessoa outros sempre lembrados…
Cantidio, interpelado pelo Órgãos de Segurança e Informação, disse “que se responsabilizava pelo simpósio”.
O delegado W.P. era o nosso interlocutor natural, menos pelas complexidades teóricas que forçosamente se punham com tantos especialistas de renome, do que pelas questões práticas relacionadas uma ameaça perigosa para a segurança do regime.
Durante 4 dias, quatro poltronas da primeira fila do auditório da reitoria foram ocupadas pelo delegado W.P. e três diligentes assessores, sempre atentos, mesmo durante as mais exaustivas exposições em francês.
Os policiais, no estrito cumprimento das suas ordens, foram objeto de uma desafiadora imersão sociológica, não por propósito deliberado ou por gosto intelectual, que de outras coisas se ocupavam por vocação e gosto deliberado. Terão racionalizado, certamente, sobre aquela forma requintada e perversa de tortura ideológica, que nem o SSV, com toda a sua longa experiência nessas questões intelectuais, fora capaz de infringir aos sediciosos subversivos que se espalhavam pelo País.
Ao fim e ao cabo de tanto papo weberiano e marxista, após a fala de encerramento, da qual fui encarregado por força do ofício, fui admoestado que as fitas gravadas de todas as exposições “seriam recolhidas a lugar seguro”, o que efetivamente ocorreu.
Ainda me pergunto, tantos anos passados, o que os “experts” em subversão intelectual subliminar fizeram do saque daquele rico, riquíssimo material?
Paulo Elpídio de Menezes Neto é cientista político, professor, escritor e ex-reitor da UFC
Uma resposta
A história não perdoa, revela a insensatez que pode governar os homens. Interessante registro da história da ditadura militar do Brasil,,que constitui alerta para a defesa intransigente da democracia… Parabéns pelo artigo!