Com o título “Sexo e Religião”, eis mais um conto da lavra de Francisco J. Caminha, escritor e ex-deputado estadual.
Confira:
Ele era um vereador, cinquentão, garboso com base eleitoral no público carismático. Toda quinta-feira participava fielmente da novena das mil “Ave Maria” como forma de neutralizar sua inclinação ao pecado sexual. Na condição de católico divorciado se sentia impedido de namorar, uma vez que caso fornicasse não poderia receber o sacramento da Eucaristia. A religiosidade o deixava imerso nas crendices populares do castigo, da culpa e do pecado. Até que se apaixonou por uma mulher de 39 anos, recém separada, carente e praticante da religião de tradição africana, fato que ele desconhecia.
A química foi imediata como uma explosão de prazer sob sabor das volúpias carnais mais extravagantes que o bom sexo proporciona. Ele me confessava que agora se sentia livre e feliz. Ela era uma mulher com atitude dominadora e logo fez pressão para que fossem morar juntos. Por medo ou outros motivos, a paixão dele se consumiu como fogo de palha. Com vergonha de romper não teve coragem de dar fim a relação e passou a não atender as inúmeras chamadas nem as mensagens deixadas no celular. Foi quando ela me ligou indignada indagando o paradeiro dele.
Como os homens nutrem a lealdade e a cumplicidade entre si, fiz a ressalva que ele poderia ter perdido o celular. Ela encerrou a ligação com a ameaça: – ele vai me pagar.
Acontece que um amigo dele foi num Centro Espírita cobrar uma dívida de serviço de engenharia de um renomado Pai de Santo de nossa cidade. O credor ao chegar aguardou o fim do atendimento da cliente, mas quando a moça saiu da consulta reconheceu-a como sendo a namorada do meu amigo devoto católico. O Babalorixá tinha quitado a dívida com o cheque emitido pela cliente que acabara de sair. Dias depois, o cheque retornou sem provisão de fundos. O credor procurou o ex-namorado.
- Amigo, eu fui no terreiro fazer uma cobrança de um serviço de engenharia e vi sua namorada saindo da consulta. O Pai de Xangô pagou a dívida com o cheque dela que retornou sem fundos.
Meu amigo supersticioso arrepiou de medo e preocupado com situação, comprou o cheque pelo valor de face e foi pessoalmente ter com o bruxo. Ao ser recebido, quis logo saber o que sua ex-namorada fora fazer lá.
– Ela encomendou um trabalho, mas é sigiloso.
– Acontece que ela te pagou com um cheque sem fundos e eu comprei o cheque e quitei sua dívida.
O Pai Xangô, pediu um momento, foi num altar dedicado a um dos Exus e retirou uma fotografia.
– É você?
Ele arrepiou de medo.
– Sim. O senhor já terminou o trabalho?
– Ainda não está concluído.
– Pelo amor de Deus, aceite o cheque de volta e desfaça o que começou.
Saiu do Centro Espírita em direção ao trabalho atordoado da angústia paralisante que o medo causa. Ao saltar do carro foi subitamente atropelado na esquina no cruzamento da Avenida Thompson Bulcão com a Rogaciano Leite. Ainda bem que só sofreu leves escoriações no corpo.
Apavorado no dia seguinte foi a Igreja de Santa Edwirges rezar a novena de cura e libertação. Fez promessa de toda quinta-feira não mais faltar as mil Ave Maria.
E agora eu pergunto:
Macumba pega?
*Francisco J. Caminha
Escritor e ex-deputado estadual.