Com o título “PL da Anistia, nada; PL da Impunidade!”, eis artigo de Marcelo Uchôa, doutor em Direito Constitucional com estudos de pós-doutorado em Direitos Humanos. “A questão é imperativa. Se o Congresso aprovar um desavergonhado perdão aos condenados do 8 de janeiro, em forma de anistia geral ou específica, restrita ou irrestrita, descriminalizando os bandidos que atentaram contra o Estado Democrático de Direito, buscando surrupiar a democracia nacional, fatalmente o STF declarará o PL inconstitucional”, expõe o articulista.
Confira:
É absolutamente inconstitucional um projeto de anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023, incluindo, evidentemente, os elaboradores, financiadores e beneficiários da trama golpista e, mais especialmente, o líder da organização criminosa, Jair Bolsonaro.
Em texto de impecável datismo publicado no Correio Braziliense, no último 16 de setembro, os juristas Lenio Streck, Pedro Serrano e Mauro Menezes explicaram, em poucas linhas, o porquê da inconstitucionalidade desse PL. Nada tão diferente do que afirmei ao jornalista Leonardo Sakamoto, em entrevista ao UOL, no último domingo, 14.
O art. 1° da Constituição Federal estabelece textualmente que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. No art. 5°, dois incisos estipulam: XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; e XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático.
Os réus do núcleo 1 da conspiração golpista foram condenados por: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e ameaça grave; e deterioração de patrimônio tombado.
É verdade que a já ultrapassada Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90) não incluiu dentre os crimes que elenca aqueles cometidos contra o Estado Democrático de Direito. Porém, expressa o parágrafo único de seu art. 1°: “consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado”. É possível negar que uma organização criminosa destinada a irromper contra o Estado Democrático de Direito é uma organização criminosa destinada a cometer um crime equiparado a crime hediondo? Não. Portanto, tal crime é também inafiançável e insuscetível de graça ou anistia pela exegese do inciso XLIII, do art. 5°, da Constituição.
De outra sorte, em que se diferem a trama golpista da hipótese prevista no art. 5°, XLIV, da Constituição, a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático? Nada. Em consequência, por esta via, é inafiançável e imprescritível, sendo possível afirmar, por simples operação hermenêutica, constituir-se em conduta de gravidade suficiente para não ser contemplada com graça ou anistia.
A questão é imperativa. Se o Congresso aprovar um desavergonhado perdão aos condenados do 8 de janeiro, em forma de anistia geral ou específica, restrita ou i restrita, descriminalizando os bandidos que atentaram contra o Estado Democrático de Direito, buscando surrupiar a democracia nacional, fatalmente o STF declarará esse PL inconstitucional. Mesmo porque a Constituição, em seu art. 60, § 4º, protege um núcleo fundamental de direitos contra o qual sequer são admitidas emendas: (II) o voto direto, secreto, universal e periódico; (IV) os direitos e garantias individuais – crimes normalmente abolidos numa ditadura, que, por sua vez, resultam da erosão do Estado Democrático de Direito, desejo dos golpistas em sua trama conspiratória.
O que venho sustentando há algum tempo é que esse suposto PL da Anistia é uma visível e explícita impunidade. É assim que ele deve ser conhecido: PL da Impunidade! Impunidade para não responsabilizar criminosos condenados por delitos contra a pátria. Criminosos que almejam ser perdoados agora para, no futuro, tentar voltar a delinquir com a certeza de que jamais pagarão pelos crimes. Esse duro aprendizado o Brasil já amargou experimentar inúmeras vezes. Pacificação social não se consegue com impunidade. Muito pelo contrário, se obtém com a consciência de que agir criminosamente acarreta consequências danosas para a sociedade e para si.
No combo, o PL da Impunidade proposto no parlamento é inconstitucional, imoral e antiético. A rigor, não poderia sequer ser proposta, quanto mais, aprovada na Câmara dos Deputados. Se fosse, não poderia passar no Senado. Se passasse, o povo deveria devolver, no voto, o preço da traição. Independentemente disso, que o STF permaneça vigilante e, se necessário, funcione como garantidor da democracia nacional. Anistia, ou melhor, impunidade, jamais!
*Marcelo Uchôa
Doutor em Direito Constitucional com estudos de pós-doutorado em Direitos Humanos.
@MarceloUchoa_
Ver comentários (1)
A esquerda sempre apresentando sua contradição intrínseca e sua ética política de ocasião. É como se todo o mundo desconhecesse a História. Eu não desconheço. No final da década de 1970 lutei pela anistia de assaltantes de banco, de assassinos, de terroristas... Eu acreditava na grande farsa que era o movimento socialista. Bem, como diz o axioma sueco: ser comunista até os 30 anos é sinal de inteligência; depois dos 30 é pura burrice. Os suecos sabem bem o que dizem!